Para os antigos romanos, o que um pai experimenta diante do corpo morto de um filho é a única “iustus dolor”, isto é, a dor plenamente justificada, porque o acontecimento que o causa vai contra a lógica da natureza. É um caso que se apresenta também nos Evangelhos, a partir do próprio Jesus que morre diante da sua mãe, para não falar do que é narrado da viúva de Naim.
Outro exemplo deixa rasto na história que nos contam os três Evangelhos sinóticos [Mateus, Marcos, Lucas] e que diz respeito ao chefe de uma sinagoga, de nome Jairo (seguimos a narração de Marcos 5, 21-43). A sua vida é atravessada por uma tragédia: a sua filha de doze anos está moribunda.
A sua única e última esperança é confiar-se àquele rabino de Nazaré, Jesus, de quem se dizem coisas maravilhosas e prodigiosas. Reevocamos este episódio para realçar a galeria de personagens nos quais a família se encontra com a misericórdia.
A imploração do pai está cheia de sofrimento e confiança: «A minha filhinha está a morrer: vem impor-lhe as mãos, para que seja salva e viva!». Jesus acolhe desde logo este apelo extremo, que, todavia, parece agora desmentido pelos factos. Nas proximidades da habitação de Jairo eleva-se já o típico vozear e os choros que acompanham um acontecimento trágico, sobretudo nos hábitos orientais. Mas a notícia não admite réplica: «A tua filha está morta. Porque é que ainda incomodas o Mestre?».
Impressionante e provocadora é a resposta de Jesus, tanto mais que é acolhida com ironia e derisão. «A criança não está morta, mas dorme». Diante de Cristo a morte transforma-se num sono que pode ser “despertado”: não é por acaso que nos Evangelhos a ressurreição é descrita com o verbo grego do “despertar” de um sono profundo e mortal.
Jesus faz-se acompanhar só pelos pais e por três apóstolos, Pedro, Tiago e João. Pode imaginar-se o silêncio atónito que acompanha aqueles momentos e o ato simples mas delicado de Jesus: «Tomou a mão da criança». O silêncio é rompido por duas únicas palavras pronunciadas com ternura, ou talvez apenas sussurradas na língua originária do próprio Jesus, o aramaico: “Talità kum”, «menina, vamos, levanta-te!».
E eis o prodígio do amor que dá a vida a uma criatura e espalha o espanto e a alegria em torno de si: «Logo a rapariga se levantou e caminhava». Mas há ainda um toque de delicadeza que é introduzido por Cristo: diz para lhe darem de comer, preocupado como um pai pela fragilidade física da pequena que saía daquele “sono” profundo.
A figura de Jesus emerge na sua totalidade, aureolada pelo seu poder, certamente, mas também pela sua delicadeza e doçura misericordiosas, tornando este episódio inesquecível, como é testemunhado pela impressionante interpretação livre que dele fez um grande realizador dinamarquês, Carl Theodor Dreyer, no seu filme “Ordet”, “Palavra”, rodado em 1955.
Card. Gianfranco Ravasi