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Carta Pastoral de D. António Marto

Testemunhar a ternura de Deus

A nova Carta Pastoral de D. António Marto, Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, intitulada «Testemunhas da ternura de Deus», considera que a sociedade actual é inóspita e que clama por ternura: “Vivemos numa sociedade que, antes de mais, quer recuperar o valor do acolhimento porque sente que a vida se torna demasiado dura e fria se não há relação verdadeira e calorosa com os outros”.

Se é verdade que “pertencemos à era fascinante da comunicação global”, não deixa de se constatar que “hoje aumenta cada vez mais a pobreza relacional e o vazio de sentido.”

A velocidade a que correm as nossas vidas privilegia a “eficácia imediata”. No entanto, e por isso mesmo, “somos a primeira geração do stress e do «zapping», símbolos do activismo frenético e da febre do consumismo de coisas, e de afãs tantas vezes inúteis”. As prioridades foram definidas e escolhidas; por isso não é possível “parar, olhar, escutar, prestar atenção, acolher, cuidar do
outro. Não temos tempo para Deus.” Por outro lado, “o acolhimento torna-se cada vez mais aleatório”.

A este propósito, o Bispo de Leiria-Fátima recupera, a meio do documento, a passagem bíblica em que se encontram Jesus, Maria e Marta: “Marta, Marta, andas tão inquieta e perturbada, mas uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte que não lhe será tirada”. E conclui: “A frase de Jesus constitui um pequeno “evangelho”: é o anúncio da Palavra que pode preencher o coração, salvando-o da dispersão das muitas coisas.”.

Um outro fenómeno que caracteriza a sociedade é o “crescente individualismo e o escasso sentido de comunidade”, o que tem como consequência “uma quebra de fraternidade e solidariedade entre as pessoas”, produzindo um “arquipélago de solidões”.

Para D. António Marto, estas atitudes e comportamentos são acentuados pelos meios de comunicação social, que transmitem um modelo do êxito social e de felicidade baseado na aquisição do poder, do saber e do ter.

O prelado saúda a diversidade cultural, que “pode tornar-se num enriquecimento”, mas que “pode suscitar reacções de xenofobia, de violência e transformar-se num “choque de civilizações” e de culturas”.

Numa cultura que apresenta vários sintomas de fragmentação, “a vida torna-se para muitos apenas uma coisa ocasional a usar e gozar no momento presente, sem projecto”, ao passo que outros se sentem “‘perdidos’, sem bússola, e por isso sem norte e sem rumo”.

Perante este diagnóstico, os cristãos são convidados, mais, são chamados a “criar uma cultura da ternura e do acolhimento, da comunhão e da solidariedade, como alternativa à anti-cultura do egoísmo, da indiferença, da dureza e da frieza de relações, da divisão e da violência”.

Citando Heinrich Boll, prémio Nobel da Literatura em 1972, o Bispo de Leiria-Fátima confessa-se marcado pela crítica que aquele autor dirigiu aos católicos: “‘Aquilo que até hoje faltou aos mensageiros do cristianismo é a ternura’ aos vários níveis: de comunicação, de vida afectiva, de compromisso social. Sem ternura não há vida, não há beleza, não há felicidade!”. “Deus é amor. Por isso é Deus de ternura”; neste sentido, “levar a ternura de Deus ao mundo é levar a salvação do Evangelho”.

A Carta Pastoral convida os leitores a meditar na ternura de Deus ao longo da História da Salvação, propondo interpretações de diversas passagens da Bíblia (Gn 1,31, Gn 2,7.18.23, Gn 8, 1-15, Mc 10, 17-22, Lc 10, 38-42, Lc 19, 1-10, Jo 4, 1-42) em que se tornam presentes gestos como “o beijo de Deus”, a vocação ao amor, o acolhimento “sem pretender dominar, sem fazer juízos nem proferir condenações à partida”, procurando, pelo contrário, ajudar a “superar os bloqueamentos”. A Bíblia é, aliás, o símbolo do ano pastoral de 2007/8.

A concluir a apreciação sobre o encontro de Jesus com a samaritana (Jo 4, 1-42), D. António conclui que “a samaritana é figura de todos nós; é a nossa sociedade desiludida depois de tantas experiências e promessas, tentada a fechar-se sobre si, sobre os seus egoísmos e as suas desilusões, sobre o tédio da vida, mas à espera de ser acolhida por Alguém que a ajude a retomar respiração, ânimo e entusiasmo, a reencontrar o melhor de si mesma”.

A beleza da santidade de vida é inspiradora de cultura. No entanto, para a viver e transmitir é preciso recebê-la; por isso, “quem não (se) dá, é porque não recebeu; quem não vive a sua vocação é porque não acolheu a ternura, o amor terno de Jesus.

Um dos aspectos mais desenvolvidos na Carta é o acolhimento, que implica a abertura relacional, a disponibilidade, a solidariedade, comunhão e partilha, assim como a universalidade. Na construção individual e comunitária do acolhimento reside a chave para que a nossa civilização encontre “os novos ‘poços de Jacob’ para saciar a sua sede, abrigar-se do calor abrasador, receber o dom da vida verdadeira”.

Para atingir este objectivo, é necessário cultivar uma espiritualidade do acolhimento. Por outro lado, é preciso tornar as paróquias mais próximas daqueles que as procuram – através das “relações próximas, directas com todos os seus habitantes, cristãos ou não, participantes da vida da comunidade ou à sua margem”, de modo que a Igreja esteja disponível para uma presença que requer “um acolhimento muito próprio de empatia, delicadeza e compreensão, de esclarecimento inteligente e paciente, de diálogo sereno”.

Para o Bispo de Leiria-Fátima é necessário que os cristãos vivam da ternura de Deus e que, com essa disposição, partam ao encontro da cultura contemporânea numa atitude de acolhimento que apenas pode subsistir a partir de uma espiritualidade que se pede e recebe da graça de Cristo.

A nível familiar, D. António sugere duas propostas de acompanhamento de situações muito frequentes: as uniões de facto e os divorciados recasados.

O prelado pretende, por outro lado, “imprimir um novo ardor à pastoral vocacional”, na perspectiva da ternura e do acolhimento: “acolher a vocação (chamamento) como dom da Sua ternura”.

A Carta Pastoral, com data de 8 de Setembro de 2007, Festa da Natividade de Nossa Senhora, é concluída com a certeza de que “Maria, mãe de Jesus, é a Mãe da ternura”. Por isso, “contemplá-la é contemplar a ternura de Deus e as maravilhas que esta realiza quando a criatura humana se abre e acolhe a Palavra de Deus e a Sua graça”. Maria, a quem a Diocese confia o caminho pastoral, é igualmente “símbolo do acolhimento, precisamente porque ninguém como ela acolheu o Filho de Deus no seu coração e no seu seio – a ternura de Deus encarnada”.

rm

© SNPC - Publicado em 14.09.2007

 

 

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D. António Marto
D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima























































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