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Hans Urs von Balthasar: “Beleza” é a primeira palavra de um teólogo para este tempo

É conhecida a predileção de muitos teólogos pela grande música. Por isso não surpreende que nas suas notas autobiográficas Hans Urs von Balthasar tivesse escrito: «O conteúdo principal dos meus anos antes do sétimo ano de escola era a música (…). Passava horas sem fim ao piano (…). E a partir do dia em que pude morar [em Viena] próximo de Rudolf Allers – médico, filósofo, teólogo, tradutor de Anselmo e de Tomás de Aquino – tocávamos à noite a quatro mãos na maioria das vezes toda uma sinfonia de Mahler».

O episódio é referido pelo arcebispo italiano Rino Fisichella, também ele teólogo e atualmente presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização, no novo livro “La bellezza è la prima parola. Rileggendo Hans Urs von Balthasar” (A beleza é a primeira palavra. Relendo Hans Urs von Balthasar, ed. San Paolo, 270 páginas).

O autor escolhe a ideia da beleza para guiar os leitores na imensa obra de quem define como «o Tomás de Aquino do século XX», e também porque «sinfónico» é o adjetivo que antes de todos vem à mente para qualificar a sua obra. Leia-se, a propósito, o que escrevia de Balthasar outro grande gigante da teologia, Henri de Lubac»: «A obra de Balthasar é imensa. E se existe uma cultura cristã, encontra-se nele. Não há nada de grande que não encontre neste grande acolhimento e vitalidade».

Sinfónico é o elenco dos pontos de referência de Balthasar, de Claudel a Péguy, passando por Bernanos, sem esquecer os grandes teólogos do século passado – Barth, Rahner, Lubac – e as duas fontes diretas do seu pensamento: Erich Przywara e Adrienne von Speyr.



O segundo Balthasar «é o homem amadurecido que vê a falta de correspondência da parte de um mundo que ele esperava que entrasse em contacto com a novidade cristã. Em alguns aspetos, parece-me rever o percurso de Paulo no areópago de Atenas»



E pensar que von Balthasar, cofundador da revista “Communio”, não foi convidado para o Concílio Vaticano II, apesar de o ter percorrido em muitos aspetos, nunca teve uma cátedra, e desde há muito se discute o carácter sistemático (por muitos negado) da tua teologia.

Fisichella, que o estudou a fundo e conheceu pessoalmente, não tem dúvidas: «O seu pensamento está seguramente destinado a tornar-se um clássico da tradição teológica, e da nova sistemática católica em particular. Ele é, de facto, o único teólogo católico contemporâneo de relevo que ousou o formidável empreendimento de uma suma teológica».

Para sustentar a sua tese, o arcebispo compõe uma espécie de “suite”, jogando com as várias “oitavas” da vida, personalidade e obra do pensador helvético, conjugando tudo com uma escrita facilmente acessível inclusive ao leitor não teólogo.

O livro começa com apontamentos biográficos, para indagar depois o primeiro e segundo Balthasar, com o ponto de rutura em 1940, quando conhece von Speyr, detendo-se, por fim, na “Trilogia”, que é por todos considerada a grande catedral do seu pensamento.

Nascido em Lucerna em 1905, entra na Companhia de Jesus em 1929, e é ordenado sacerdote em 1936. Em 1944 funda o instituto secular “A comunidade de S. João”, e dedica-se à atividade de escritor e editor. Em 1988, João Paulo II eleva-o à dignidade cardinalícia. Mas o teólogo morre inesperadamente a 26 de junho, dois dias antes do Consistório.



Quem é, definitivamente, von Balthasar? Para o autor do livro, é «o vértice da cultura do século XX». Um pensador que com a sua “Trilogia” falou ao mundo do Deus amor: ao mesmo tempo beleza que atrai (“pulchrum”), unidade do ser (“unum”) e bondade (“bonum”)



O primeiro Balthasar «é o homem do universalismo cristão. Emerge em todo o seu pensamento o entusiasmo do jovem teólogo que está investido na missão de estender ao mundo inteiro o anúncio do Evangelho. O diálogo é a palavra dominante neste período, e os interlocutores são certamente Karl Barth, para o mundo da Reforma, e Martin Buber, para o judaísmo».

O segundo Balthasar «é o homem amadurecido que vê a falta de correspondência da parte de um mundo que ele esperava que entrasse em contacto com a novidade cristã. Em alguns aspetos, parece-me rever o percurso de Paulo no areópago de Atenas», observa o autor.

Em substância, o teólogo suíço compreende que «com a abertura ao mundo, com a atualização, com a dilatação dos horizontes, com a tradução da verdade cristã numa linguagem e num pensamento compreensível ao mundo moderno só se está a metade do caminho». O resto deve ser percorrido sem renunciar àquilo que Romano Guardini chamava «distintivo cristão».

E Fisichella comenta: «Sublinhar o específico do cristianismo não podia ser ontem, e não é hoje, uma ofensa a quantos não partilham a sua mensagem, mas é antes uma tarefa imprescindível a que não se pode renunciar por fidelidade ao seu Batismo».

Quem é, definitivamente, von Balthasar? Para o autor do livro, é «o vértice da cultura do século XX». Um pensador que com a sua “Trilogia” falou ao mundo do Deus amor: ao mesmo tempo beleza que atrai (“pulchrum”), unidade do ser (“unum”) e bondade (“bonum”). Os transcendentais da filosofia explicados ao nosso tempo com um exemplo simples e poético, o da criança «despertada para a consciência apenas pelo amor, pelo sorriso da sua mãe».

«No amor – escreve Balthasar – ele está unido à sua mãe, apesar de estar à sua frente, portanto cada ser é uno; este amor é bom, portando todo o ser é bom; este amor é verdadeiro, portanto todo o ser é verdadeiro; este amor suscita alegria, portanto todo o ser é belo». E este amor, no livro de Fisichella, emerge, página após página, quase como se fosse, para permanecer na metáfora musical, um crescendo de Rossini.


 

Mimmo Muolo
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Hans Urs von Balthasar | D.R.
Publicado em 09.10.2023

 

 

 
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