O papa Francisco? «É um de nós!». Quando fui um professor “excecional”? «Com as crianças com síndroma de Down, o que tinha para dar era amor, e dei-o.» O treinador português do clube de futebol AS Roma, José Mourinho, falou de si no diálogo com o card. José Tolentino de Mendonça, na sexta-feira, 31 de março, na Pontifícia Universidade Gregoriana. A iniciativa pertenceu ao centro “Alberto Hurtado” e à embaixada de Portugal junto da Santa Sé, em vista da Jornada Mundial da Juventude, de 1 a 6 de agosto.
O diálogo, moderado pelo diretor do jornal “L’Osservatore Romano”, Andrea Monda, teve entre os presentes o ministro transalpino do Desporto, Andrea Abodi. O “apito inicial” para a conversa foi dado pelo prefeito do Dicastério para a Cultura e Educação, prosseguindo os encontros com figuras destacadas do desporto, que arrancaram a 15 de março com o campeão olímpico de atletismo, o italiano Filippo Tortu.
A reflexão baseou-se no «desporto como escola para construir a vida»: «O segredo da educação é amar e educar, é um exercício de esperança», palavras do cardeal que suscitaram no treinador uma recordação: «Após a universidade, fui para uma escola de crianças com síndroma de Down, e eu não tinha nem experiência nem formação. Tinha medo. Sentia a responsabilidade de ser um jovem de 23 anos sem as capacidades adequadas».
«No final daqueles dois anos, quando me vim embora, as crianças, colegas e pais ficaram muito tristes: disseram-me que tinha sido um professor “excecional”. Porque a única coisa que tinha a dar era amor, e dei-o. Foi o amor que me fez tornar “excecional” e a fazer algo de fantástico pela sua formação. Criei uma relação com aquelas crianças, que ainda hoje vejo em Portugal», acrescentou.
O diálogo em torno ao papa Francisco foi particularmente intenso. D. Tolentino assinalou como está impressionado pelo «modo de pensar, por imagens», do pontífice, pela sua «capacidade de proximidade» e pelo seu convite a ir «em frente». Por seu lado, Mourinho declarou: «É um de nós! Fala de maneira que todos entendem e a sua mensagem passa sempre».
Solicitado pelas reflexões do cardeal sobre o valor da experiência desportiva, Mourinho falou de uma «indústria» que deixou de dar saída ao «futebol de base»: «O meu futebol, infelizmente, é um mundo diferente daquele desporto que queremos para as nossas crianças. O desporto de alto rendimento é cruel. Não há espaço para os mais fracos. O objetivo é muito claro para nós, profissionais: vencer. E também para os proprietários e as pessoas que controlam o aspeto económico os objetivos são muito claros».
Para Mourinho, «o desporto que as crianças precisam é outro, mas já não existe. Sobretudo os pais têm necessidade de o compreender porque muitas vezes são eles próprios, com as suas ambições e frustrações, a levar os jovens à crueldade. Há pais que dizem aos jovens para não passarem a bola a um companheiro porque, de outra forma, marca mais golos que ele. É crueldade».
O treinador recordou, com nostalgia, a amizade com os jovens que treinava há quarenta anos e que ainda hoje são próximos e ajudam-se uns aos outros; um deles é seu assistente. Com aquele modelo de futebol «aprendia-se mais que em casa: empatia, solidariedade, busca da alegria de vencer, saber que a derrota não é o início mas o fim de um período difícil».
D. Tolentino e Mourinho referiram-se ao pensamento do filósofo português Manuel Sérgio. «Ensina-nos a encontrar o sentido no desporto», salientou o cardeal. «Disse-me: “Não és um treinador de futebolistas, mas um treinador de jovens que jogam futebol», lembrou o treinador.
A realidade dos jovens na relação entre gerações, o «sentido do fracasso» e a «fragilidade» foram os temas debatidos na segunda parte do diálogo, com o acento colocado num «novo humanismo para o desporto». O que é o fracasso? Concluiu José Mourinho: «No meu caso é perder um jogo? O verdadeiro fracasso é ter as capacidades inatas e não conseguir desenvolvê-las, para depois poder dizer “podia, não consegui”. Quem tem a coragem de fazer, de desafiar, nunca vive um fracasso».