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Leon Fleisher, «um monge que trabalhava na igreja da música»

«Era um monge que trabalhava na igreja da música»: escreveu-o o filho de Leon Fleisher, ao anunciar a morte do pai. Não é difícil acreditar, até porque não existem grandes solistas, com uma carreira de décadas, que não apliquem uma disciplina férrea, quase maníaca. Estão horas ao instrumento, diariamente, sentem o cansaço, mas simplesmente não conseguem fazer de outra maneira.

Leon Fleisher era assim. Um pianista excecional e empreendedor que não se deteve nem sequer quando se deteve a sua mão direita. Faleceu no domingo, em Baltimore, aos 92 anos, depois de ter demonstrado ao mundo que se pode continuar a seguir as suas paixões quando parece impossível.

Nascido em S. Francisco, Califórnia, a 23 de julho de 1928, de uma família de judeus da Europa de Leste, começou a estudar aos quatro anos, e nunca mais parou. Tinha nove quando deu por ele Artur Schabel, que poucos alunos aceitava. Naquelas lições, Fleisher entrou na sequela de predestinados do teclado que através de Teodor Leszetycki, mestre de Schabel, e Carl Czerny, professor de Leszetycki, chegava até Beethoven, com quem Czerny tinha estudado, em privado, de 1801 a 1803.

Em resumo, os ingredientes estavam lá todos: talento, disciplina e um especialista que se apercebeu dele. Aos 16 anos debutou com a Orquestra Filarmónica de Nova Iorque, abrindo caminho a uma carreira prolífica também para as gravações. Nos anos 50 chegou a consagração, com a assinatura de um contrato com a Columbia Masterworks. Era a fama mundial, sobretudo graças às interpretações dos concertos para piano de Brahms e de Beethoven, que gravou com George Szell e a Orquestra de Clevland.

Parecia que estava tudo feito, quase dado, mas o futuro foi noutra direção. Em 1964 perde o uso da mão direita, por causa de uma doença neurológica, a distonia focal. Fleischer estava convencido de que o problema se tinha devido a anos de prática contínua. Talvez não fosse assim, mas a obstinação ajudou-o a deslocar o seu interesse para o repertório interpretado só pela sua mão esquerda-

Não foi uma ideia original, antes dele tinha havido Paul Wittgensein, o irmão do filósofo Ludwig, também aluno de Leszetycki, que perdeu o braço direito durante a primeira guerra mundial. Herdeiro de grande fortuna, encomendou aos maiores compositores peças que poderia executar. Nasceram, assim, obras-primas, como o “Concerto para piano e orquestra para a mão esquerda” em ré maior de Maurice Ravel. Havia uma obra, porém, que não agradava a Wittgensein, composta por Hindemith, em 1923. Detentor único dos direitos da partitura, decidiu fechá-la. O manuscrito foi descoberto após a morte, em 2002, pela viúva.

Fleisher não podia deixar escapar a oportunidade. Foi ele que interpretou a estreia mundial de “Klaviermusik” (Concerto para a mão esquerda), obra 29 de Paul Hindemith. com a Filarmónica de Berlim, em 2004. Paradoxalmente, precisamente nesse período começou a utilizar também a mão direita.









 

Marcello Filotei
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 05.08.2020 | Atualizado em 09.10.2023

 

 
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