Observatório da Cultura
Evocação

O ardente texto de Maria Gabriela Llansol

No mês de Março morreu Maria Gabriela Llansol. Era a mais silenciosa e espiritual escritora portuguesa. Deixa uma marca originalíssima na nossa literatura. Há quem diga que ela será para o Século XXI o que Fernando Pessoa foi para o Século XX.

 

_________________ de um lado, está o enigma e, de outro, está a prece

é então que este pede a Teresa que seja esse coração decidido
que fale com o seu amado

lhe fale na música
lhe fale na felicidade de nascer da alegria
lhe fale no lápis
lhe fale nos traços

lhe diga que é bom que nada se perca
lhe diga que é vital

e a oração emerge do mais íntimo do pó

eu
glorifiquei-vos sobre a terra
realizei a obra que me pediste que fizesse
dei a conhecer o teu nome aos que me deste a conhecer,
eram teus, e foste tu que mos deste,
e agora sabem que tudo o que lhes dei vem de ti
porque eu comuniquei-lhes as palavras que me tinhas comunicado
e eles receberam-nas e acreditam que é de ti que eu venho

neste momento
é deles
que te falo e por eles é a minha prece
a matéria não é vã
a matéria é luminosa

diz-lhe que o denso é passagem
diz-lhe que estão destinados à alegria
preserva-os do mal
é tudo quanto, finalmente, te peço

in Ardente Texto Joshua, Relógio d'Água, 1998

 

"Maria Gabriela Llansol é dos escritores mais originais da literatura portuguesa. Não só da literatura contemporânea mas provavelmente de sempre.
[Penso que] será o próximo grande mito literário português. A escrita dela é fulgurante. Não há nada que se possa comparar. [...] É uma espécie de fenómeno misterioso. Alguém vindo de uma outra espécie de planeta. Quem a encontra é difícil não ficar fascinado por essa escrita.”
Eduardo Lourenço (Setembro de 2008)

 

“A língua do texto llansoliano faz uso de uma energia tensiva que procura dar a ver a coisa não através da representação, mas pela sua presentificação. Exercita-se no texto pela escolha de uma escrita da imagem e não da metáfora. A metáfora "possui" a coisa; a imagem "dá a ver" a coisa. À verosimilhança, tão cara ao romance dito realista e à narratividade, Maria Gabriela Llansol contrapõe o "fulgor", focos de luz que se vão acendendo no texto, "lugares vibrantes" que orientam quem lê - "O meu texto não avança por desenvolvimentos temáticos, nem por enredo, mas segue o fio que liga as diferentes cenas-fulgor". A singularidade do texto llansoliano reside numa simplicidade lexical associada, pelas diferentes mutações frásicas, a um efeito de estranheza. Também não encontramos personagens, com vida e morte previsível, mas figuras, hóspedes e peregrinos do texto...”
Etelvina Santos

Observatório da Cultura 10

12.11.2008

 

 

Topo | Voltar | Enviar | Imprimir

 

 

barra rodapé

Maria Gabriela Llansol
Edição mais recente do ObservatórioOutras edições do Observatório
Edição recente do Prémio de Cultura Padre Manuel AntunesOutras edições do Prémio de Cultura Padre Manuel Antunes
Quem somos
Página de entrada