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Pensamento

O sentido da ambivalência na pós-modernidade

Zygmunt Bauman é um dos mais reconhecidos sociólogos europeus das últimas décadas. Polaco de origem judia, passa por anos difíceis no ensino universitário da Polónia nos anos 1960, altura em que ao socialismo de Estado se aliavam desagradáveis e surpreendentes ressurgências de anti-semitismo. A troco de perda de nacionalidade, pôde emigrar e relançar a sua carreira na Universidade de Leeds, onde é actualmente professor emérito. A reputação teórica de Bauman assenta sobretudo na investigação da transição da modernidade para a pós-modernidade.

Segundo a análise de Bauman, esta pós-modernidade do nosso tempo não veio, no essencial, romper com a modernidade, mas simplesmente continuá-la, ainda que com uma diferença crucial, especialmente se atendermos às suas consequências – a descrença na perdurabilidade das formas de vida, das instituições, dos projectos, sejam individuais ou colectivos, pessoais ou sociais. No entanto, por mais consequente que seja, este fim das ilusões não pode ser pensado como o fim da modernidade quando, não menos ansiosamente do que antes, ainda se perseguem a modernização e a tecnologia em todas as suas aplicações. Assim, será sobretudo no contraste entre o perdurável, estável, sólido por um lado, e o efémero, fluído, líquido por outro que Bauman fará o recorte entre as duas modernidades, a sólida e a líquida. Exemplos deste contraste não faltam: desde as relações laborais, há umas décadas pensadas para a vida, agora pensadas sem perspectiva de longo prazo, até aos afectos humanos e suas escolhas e, de forma particularmente evidente, os medos. Destes já não consta o medo do “bloco” de Leste e do “muro” de Berlim, figuras de uma solidez ultrapassada, mas outra espécie de medos, que aproveita a fluidez dos meios para se propagar (terrorismo e pedofilia).

É neste contexto de preocupações teóricas que se situa “Modernidade e Ambivalência” (Relógio d'Água), obra em que Bauman faz uma leitura da modernidade como projecto de trazer a ordem a um mundo naturalmente desordenado. Escreve aí o autor: “A sociedade racionalmente planeada era a ‘causa finalis’ declarada do Estado moderno”. E logo nota que a ordem criada se confronta sempre com um remanescente ineliminável que a perturba. Em tese, criar ordem é criar, com o seu subproduto, ambivalências, pelo que o projecto da modernidade tenha acabado por culminar historicamente numa guerra à ambivalência – “Instaurar e manter a ordem significa, (...) primeiro e antes de mais nada, expurgar a ambivalência”, o que politicamente significa “segregar ou deportar os estranhos”.

Este livro procura, pois, dar conta das peripécias por que tem passado a ambivalência desde o advento da modernidade, mas nunca deixando de enfatizar como a exclusão do ambivalente decorre das próprias premissas da racionalidade moderna e dos seus ideais de engenharia social. O caso limite terá sido o holocausto.

Bauman sustenta que terá sido como reacção às tentativas de extermínio da ambivalência que se constituiu o que hoje intitulamos por cultura pós-moderna. O “contra-ataque” da ambivalência sob a forma de criatividade e cultura, protagonizado por muitos judeus assimilados, permite, agora, em tempos de pós-modernidade, aprender como viver na contingência – “Foi talvez necessário, em primeiro lugar, agonizar na ponta receptora do moderno impulso para a ordem, a certeza e a uniformidade para aprender a viver com a polissemia, com a ambivalência e as infinitas possibilidades de um mundo indeterminável.

Esta análise de André Barata, publicada na Ípsillon/Público, poderia também ser estendida à Igreja, isto é, saber como é que ela se relaciona com a ambivalência, não só no âmbito das culturas em que se insere, mas também dentro do seu território – teologia, exegese, moral, liturgia, modos de pertença.

André Barata | rm

in Público (Ípsilon), 25.04.2008

26.06.2008

 

 

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