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Uma explicação para as pessoas que se afastam da Igreja

Com data de Abril de 2008, foi lançado o vol. 166 da Revista Brotéria – Cristianismo e Cultura. Nesta edição podemos encontrar uma entrevista ao novo Superior dos Jesuítas, P. Adolfo Nicolás, assim como três estudos: “Os Círios no Santuário da Atalaia”, “Mito da Ilha-Jardim” e “Crise ecológica e pessoa como comunhão”.

Seguidamente, fragmento da entrevista ao novo Superior dos Jesuítas.

Nas sociedades actuais há muita gente, especialmente jovens, que não encontram sentido em instituições das Igrejas. Consegue compreender esta atitude e as pessoas que se afastam da Igreja?

Bem, sim, penso que a posso entender muito bem, porque eu também senti isso acerca de instituições algumas vezes; portanto posso percebê-lo. Mas não completamente, porque há muitos factores na mudança socio-cultural por que estamos a passar. Um deles é que estamos a colher agora a má colheita duma má sementeira. Não ajudámos os leigos tanto quanto devíamos no passado e na nossa própria atitude pastoral. Li recentemente um livro de Andrew Greeley, um padre sociólogo dos Estados Unidos. Este livro é um estudo sobre os padres nos EUA. Questiona muitos estereótipos negativos e dá uma imagem muito positiva: os padres não são estranhos, os seus comportamentos não são piores do que os da gente vulgar, diz Greeley. Mas do que ele não gosta mesmo, o que odeia, é a cultura clerical. Diz ele que o pior efeito dessa cultura clerical é que o serviço dos leigos (por exemplo na pregação e na liturgia) é muito pobre. Faz um estudo sociológico comparando os padres católicos e os pastores protestantes. Em todas as sete categorias que introduz, os pastores protestantes estão muito melhor que os padres católicos: em termos de simpatia para com as pessoas, em termos de respeito pelas mulheres, em termos de pregação, em termos do cuidado pelos problemas da juventude, em termos de alegria e de humor, e assim por diante, É um estudo muito interessante. Particularmente nos chamados países católicos, como a Espanha e a Itália, mas em muitos outros locais também, olha-se para o serviço oferecido por muitas paróquias e em alguns lugares é muito pouco o que se apresenta.

Na Ásia, isso impressionou-me particularmente. Tendo trabalhado durante muitos anos num instituto pastoral, fez-me tomar consciência de que os problemas estão também presentes por toda a Ásia. Frequentemente o trabalho pastoral dos padres não foi o que devia ter sido. Por exemplo: os sacramentos são, na minha opinião, muito ricos, são uma oportunidade maravilhosa para enriquecer a vida das pessoas, porque têm tudo a ver com a vida, nascem da vida. Acreditamos que estamos em contacto com Deus através dos sacramentos. São condutas da graça para nós; são o dom do próprio Cristo à Igreja. Mas às vezes tirámos deles a vida e fizemos dos sacramentos rituais, e só rituais, sem vida. Fomos acusados disto e a acusação é verdadeira até certo ponto. Karl Barth disse que os católicos não têm uma «teologia do casamento», têm apenas uma «teologia da cerimónia do casamento». Penso que isso se podia aplicar a outros sacramentos. Não demos às pessoas a vida que enche os sacramentos porque esquecemos, ou assumimos como um dado, as origens e oferecemos apenas conclusões. A conclusão é que temos sete sacramentos e são celebrados de acordo com uma certa forma. A falta duma experiência interior a ligar as acções exteriores à sua significação é o que fez as nossas famílias e as nossas comunidades muito fracas. E agora os jovens descobrem uma nova cultura com novos desafios e não têm nada sério a que se agarrar, nada igualmente atractivo. E é por isso que agora se sentem atraídos por seitas e movimentos. Mas, mais uma vez, o Vaticano fez um excelente estudo sobre eles, há cerca de vinte anos. Fiquei impressionado. Era uma análise muito boa dos movimentos e seitas, da razão pela qual as pessoas se juntam a eles. Mas não levámos o estudo a sério. O estudo está aí, a questão está identificada, mas nós não dissemos: isto é o que precisamos de mudar nas nossas comunidades. E é assim que estamos em muitas coisas.

a Igreja tem sido por vezes pobre no seu serviço pastoral. A consequência é que agora temos gente desencantada com o Cristianismo e com a Igreja. Na Ásia, para mim, é sempre triste, porque o que aí vejo é como é forte o Budismo. O Budismo não tem doutrinas, nem festas, apenas um mínimo de obrigações e, no entanto, milhões e milhões continuam a ser budistas e mantêm o sentido budista, o sentimento budista. Porquê? Por o centro do «trabalho pastoral» dos budistas é oferecer experiência e ajudar as pessoas conduzindo-as para algumas formas de meditação, de desapego, de paz interior. Bem, o que nós frequentemente oferecemos foram práticas, rituais, mas gastámos muito pouco tempo no espírito que sopra vida nessas práticas. Do meu ponto de vista, esta é uma questão muito importante e liga-se com a minha primeira observação. Gostaria que nós, jesuítas, fossemos fundo em tudo aquilo que fazemos. Por exemplo, se estamos numa paróquia, essa paróquia tem que ser revolucionada; temos que responder às crianças, aos idosos, aos jovens e aos jovens casais e ver que necessidades mais profundas eles têm e como os envolver. Isso deveria ser a nossa paróquia jesuíta, não simplesmente uma paróquia agradável, onde toda a gente é muito boa e simpática. Deveríamos ter uma profunda experiência de Deus numa paróquia jesuíta. Sei que não é fácil. E, se temos um colégio, tem que ser diferente. É aqui que eu penso que o magis entra: significa profundidade, ir fundo ao interior de qualquer questão que nos surja. Temos que ter contacto com Deus que está no coração de tudo. E hoje confrontamo-nos com questões que, se não vamos fundo nelas, acabaremos esmagados.

Trad.: P. Hermínio Rico, SJ

in Brotéria - Cristianismo e Cultura, vol. 166

09.06.2007

 

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Capa da revista

Brotéria
Cristianismo e Cultura

Autor
AA.VV.

Editor
Companhia de Jesus

Ano
2008

ISSN
0870-7618

Contactos da Brotéria
21 396 16 60
R. Maestro António
Taborda, 14
1248-094 LISBOA

























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