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História contemporânea

Os católicos e o apoio a Humberto Delgado

Comemora-se este ano meio século de acontecimentos relevantes que estiveram na base de alterações profundas na vida do país.

Vivi alguns desses eventos, dando a cara por vários deles com a consciência do dever cumprido, mas sem esquecer que outros movimentos de pendor totalitário e, portanto, com uma outra visão da democracia, tudo fizeram para se arrogarem de libertadores, de heróis e de ‘donos’ dea evolução que teve lugar a partir de 1974.

Em 1958, houve eleições para a Presidência da República, com uma extraordinária adesão popular às movimentações do general Humberto Delgado. Os condicionalismos à discussão e à liberdade atingiram um grau tão elevado e feriram tão profundamente a consciência social e política dos portugueses, mesmo os mais ‘moderados’ – entenda-se os sociais-cristãos e católicos em geral –, que era chegado o momento de tudo fazerem para contribuírem para a tão desejada mudança. Que sucedeu então?

1.
A carta de Maio de 1958. Este documento foi dirigido á direcção do diário ‘Novidades’, pertença da Igreja Católica, e assinado por 28 membros da Acção Católica Portuguesa, com o objectivo de protestar contra a parcialidade notória a favor do candidato do poder estabelecido, solicitando uma total isenção, independência e sentido de justiça no tratamento das matérias, até por serem “depositários da importantíssima missão de esclarecer a consciência católica nacional”. Este documento levou as gerações mais novas da esfera católica a admitir que havia mais critérios solidários e civilizacionais além dos métodos ditatoriais do ‘estado novo’ e do ‘velho comunismo’. Após o 25 de Abril, alguns dos subscritores tiveram importantes funções políticas. Permitam-me que refira os já falecidos: Adérito Sedas Nunes, Francisco Lino Neto, Francisco Pereira de Moura, Henrique Barrilaro Ruas, José Pinto Correia, Nuno de Bragança.

2.
Considerações de um católico sobre o período eleitoral. Francisco Lino Neto escreve em Junho de 1958 sobre as eleições, informando que o faz “a título meramente pessoal, representando embora um sector católico importante”. Este humanista foi o grande agregador de vontades que proporcionaram atitudes colectivas impensáveis, ou nada possíveis, nas décadas anteriores.

3.
A carta de D. António Ferreira Gomes a Salazar. Este importante e decisivo documento, datado de 13 de Julho de 1958, consistia num elenco de matérias a tratar em entrevista ou conversa que esteve aprazada entre os dois. Porém, um conjunto de circunstâncias levou a que tal entrevista nunca tenha sido concretizada. O documento circulou aos milhares pelo país inteiro, o mal-estar instalou-se. D. António ausentou-se em visita ao estrangeiro e, no regresso, por ordem de Salazar, foi-lhe vedada a entrada em Portugal. D. António esteve em exílio forçado desde 24 de Julho de 1959 até 18 de Junho de 1969, já com Marcelo Caetano. Enquanto esteve no exílio participou no Concílio Vaticano II, era então Papa João XXIII, e durante toda a década de 60 consolidou-se a acção dos católicos repartida por diversas sensibilidades políticas.

Os três documentos surgiram como um trampolim sociológico imparável que animou jovens dos movimentos de trabalhadores e universitários, animados por testemunhos de outros dos anos 30 e 40 – como os padres Manuel Rocha, Abel Varzim e Alves Correia. Foi nessa senda que surgiu em 1 de Março de 1959 o documento dirigido a Salazar e subscrito por 45 católicos, denunciando demandas, mentiras, atropelos e abusos praticados contra cidadãos portugueses pela polícia política.

Manuel Bidarra

Editor da Multinova

in Expresso, 13.06.2008

23.06.2008

 

 

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