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Distância e Proximidade

Construir com o outro: A diversidade está naturalmente a misturar-se

“A Europa está a crioulizar-se”. Quem o diz é António Pinto Ribeiro, o comissário do programa "Distância e Proximidade", promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, que até ao próximo Outono vai pôr em confronto imagens, sonoridades, modos de vida e teorias de várias parte do mundo. É uma reflexão internacional em torno da interculturalidade e do papel que ela pode desempenhar na sociedade actual, não esquecendo que ela tem uma faceta negativa: a de pensar-se que é um problema de agora e que não há uma história de choques e diálogos culturais.

Existindo há muito tempo, com épocas de maior abertura ou violência, a interculturalidade não se trata de uma moda, mas de algo para ficar. Por si só, ela não resolve parte substancial dos problemas do confronto entre culturas, povos e regiões. Os problemas políticos têm de ser resolvidos nas instâncias políticas, tal como os económicos. A cultura apenas pode estabelecer pontes. A interculturalidade não supõe uma perfeição total, que somos todos iguais e gostamos todos muito do outro.

Mais do que uma solução, é um processo, que se desenvolve ao longo do tempo, com facetas e dinâmicas muito diferentes. É preciso aprender e construir com o outro. Uma das falências do multiculturalismo tem a ver com essa convicção de que bastava as pessoas estarem juntas para que a sociedade se alterasse.

A interculturalidade pressupõe um projecto político e uma estratégia que saiba evitar os efeitos perniciosos da globalização: a especulação financeira à escala global, a tentativa de monocultura ou a americanização do cinema.  

Não podemos esquecer o revés que tivemos recentemente: na mesma altura em que o Conselho e o Parlamento europeus decidem dedicar o ano de 2008 ao diálogo intercultural, acaba de ser aprovada uma lei sobre a emigração e o retorno dos emigrantes sem papéis aos seus países. O que é um retrocesso completo em termos democráticos e civilizacionais. Uma profunda contradição. Não se pode, por um lado, dar uma faceta humanista e, por outro, aprovar leis como esta.

Com a "Distância e Proximidade" pretendemos dinamizar a reflexão sobre a diversidade cultural, com os seus múltiplos comportamentos. Às vezes pensa-se que a interculturalidade se coloca entre a Europa do Leste e a do Oeste, entre a do Norte e a do Sul, onde a matriz é quase a mesma. É necessário pensar a nível global e assumir que há uma componente de estranheza e de enigma que vai existir sempre. O multilinguismo permitiria um descentramento da identidade, dado que cada língua transporta uma visão do mundo. Em termos estritamente culturais, esta iniciativa vai conceder uma maior abertura a espectáculos que vêm de outras geografias, dando espaço aos outros que já vivem entre nós de se manifestar, produzir e apresentar obras.

Hoje ninguém pode defender a existência de uma única História Universal da Arte ou da Cultura. Essa ideia faliu. Não podemos fugir à evidência de que a Europa está a crioulizar-se devido ao fluxo de pessoas, tanto de emigrantes quanto de estudantes Erasmus, com portugueses a casar com suecos ou italianos. De certa forma é uma crioulização branca, mas que rapidamente vai alargar-se a Leste e depois para outras zonas. Vamos ter, seguramente, a Europa mais mestiça que alguma vez se verificou. A ideia de uma Europa branca também faliu. A diversidade está naturalmente a misturar-se.

Portugal, e em particular a Gulbenkian, pode protagonizar a interculturalidade, como sucedeu, por exemplo, com o programa “O Estado do Mundo”, que fogem aos cânones da cultura tradicional. De resto, Portugal é dos países onde os emigrantes são mais bem recebidos. Temos todas as condições para sermos uma plataforma de circulação, ganhando com o facto de passarem por aqui africanos, sul-americanos, asiáticos. Esse espaço de encontro devia ser potencializado, com estratégias de acolhimento, residências, etc.

 

Artigo relacionado:

Multiculturalidade na Gulbenkian

A partir de uma entrevista de Luís Ricardo Duarte a António Pinto Ribeiro

in Jornal de Letras, 02.07.2008

rm

24.07.2008

 

 

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António Pinto Ribeiro




















































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