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Cartuxa

Viagem à casa dos "últimos homens que sabem escutar"

Abriram celas, claustros e jardins. Deixaram-se ver a caminhar até á igreja. Cantaram as Vésperas diante de cânaras e microfones. Deram uma conferência de imprensa, de costas para o altar. Perante 50 pessoas, entre as quais agnósticos, um judeu e um ismaili. Por causa de um livro que lhes conta segredos de clausura.

Faltava uma hora para os sinos tocarem a vésperas, quando cinco dezenas de pessoas se apresentaram diante do portão principal da Cartuxa de Évora. Em contraste com o que acontece sempre que alguém surge naquele mesmo local, mesmo que movido pelo piedoso desejo de visitar a igreja barroca, edificada em frente, a menos de 50 metros de distância, os monges não só não as fizeram dar meia volta, como enviaram o próprio procurador a abrir-lhes os portões e a conduzi-las até ao interior do templo.

Aqui, quase de imediato, surgiram, vindos da clausura, quatro frades que abraçaram longamente dois elementos do grupo e se postaram de pé, de costas para o altar, diante dos visitantes, á frente dos quais se distinguiam – pelos flashes insistentes, as câmaras e os microfones que apontavam – uma boa dezena de repórteres.

Surpresa das surpresas: o procurador, a quem compete velar pelas regras monásticas que impõem o silêncio e a solidão, anuncia que os quatro monges se dispõem a responder á comunicação social.

Durante cerca de meia-hora, como se em qualquer acontecimento mundano, os jornalistas querem saber deles quem são, donde vêm, onde pretendem chegar através daquela opção radical, o que sabel do que se vai passando lá fora. Um insiste mesmo, como se faz quando os políticos fogem á questão, se o padre Isidoro, prior do convento, é adepto da pena de morte.

Os dois homens jovens que caíram nos braços dos monges funcionam como uma espécie de cicerones. Paulo Moura (n. 1959), grande repórter no Público) e Nacho Doce, (n. 1965, Galiza), colaborador permanente da Reuters em Lisboa) visitaram dezenas de vezes a Cartuxa, nos últimos seis anos. Chegaram a dormir num anexo. Acompanharam o quotidiano do convento, num privilégio único, só aberto a noviços e postulantes: as orações de matinas cantadas, da meia-noite às três da manhã; as vésperas, a meio da tarde; as procissões à volta do claustro; os rituais da Páscoa e do Corpus Christi.

Uma amizade (“coisa humana, afinal”) nasceu assim – são os próprios quem o escreve, no prefácio – entre um “escritor céptico”, “um fotógrafo sentimental” e “uma dúzia de monges meditabundos”. A forma como estes agarram, contra o peito, o livro-álbum em que a experiência está narrada, em textos e imagens, explicam por que razão o privilégio se estende agora aos 55 que aqui peregrinaram. Vieram de Lisboa, em dois autocarros fretados pela editora Pedra da Lua, responsável pelo lançamento dos cinco mil exemplares de «O Segredo da Cartuxa», razão desta iniciativa.

Há, no grupo, dúzias de caras conhecidas do jet set político e intelectual – António Barreto, Bagão Félix, Campos e Cunha, Diogo de Lucena, João Bénard da Costa, João Carlos Espada, Luís Sanches, Mangas Catarino, a título de exemplo; o presidente da CIP, Francisco Van Zeller; o administrador da Fundação Gulbenkian, Diogo de Lucena; o presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas, tenente-coronel Manuel Lopes Dias (cego); dois crentes de outras religiões (o ismaili Carimo Mohomed e o director da sinagoga de Lisboa, Alain Hayat); três directores de imprensa (Francisco Sarsfield Cabral, da Rádio Renascença, Jorge Wemans, da RTP 2 e, do Público, José Manuel Fernandes, marido da editora do livro Gabriela Fernandes).

Durante mais de uma hora, os visitantes demoram-se pelo claustro – o maior de Portugal, 98 metros de comprimento em cada corredor –, pelo terraço superior, em duas das celas: cada monge vive sozinho, numa divisão que inclui um pequeno átrio de entrada, uma salinha com lareira, quatro de dormir, oratório e um canteiro exterior para poder cuidar de plantas ou flores ou, simplesmente, rezar.

Num canto do exuberante jardim do claustro, oito cedros envolvendo o repuxo do meio, está o pequeno cemitério e a memória dos mais de 100 monges que já morreram desde o século XVI.

Passavam 15 minutos das cinco da tarde quando o padre Antão Lopez repetiu o gesto que perdura desde há nove séculos, quando Bruno de Hartenfaust fundou a Cartuxa: lenta e vigorosamente, puxa o grande cordão ligado ao sino da capela. Depois, move o braço direito, ritmando o som que convoca à oração, um dos momentos comunitários dos monges eremitas.

Nesta hora das vésperas – atrasada 15 minutos em relação ao previsto, já o procurador estava nervoso com a demora – os visitantes ficarão de fora. A oração é restrita à comunidade, mesmo se nos primeiros dez minutos os jornalistas e fotógrafos ainda podem assistir.

 

Veja os vídeos/fotos da visita:

Público

Fotogaleria (Público)

Rádio e Televisão de Portugal

Rádio Renascença

 

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Adelino Gomes, António Marujo

in Público, 20.12.2007

Publicado em 27.12.2007

 

 

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Cartuxa de Évora Fotografias:
Enric Vives-Rubio, Rui Gaudêncio
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