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Música

Oriente e Ocidente na bacia do Mediterrânico

No terceiro concerto do IV Festival Terras Sem Sombra, que teve lugar a 2 de Fevereiro na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção, em Alvito, o “Ensemble Alpha” interpretou temas dos “Dois Mundos: Oriente/Ocidente na Bacia do Mediterrânico”. O programa incluiu cantos de origem gregoriana, búlgara, italiana, russa e ibérica.

“A palavra “ecuménico” vem do grego «oikoumene», que quer diuzer “todo o mundo habitado”. Pode dizer-se que o programa “Dois Mundos” do “Ensemble Alpha” foi verdadeiramente ecuménico. O “Kyrie cunctipotens Genitor”, com o qual começou o concerto, é uma obra emblemática deste conceito. Trata-se de um “Kyrie” do rito latino, conservado em notação bizantina num manuscrito grego proveniente do Monte Athos, o centro espiritual do mundo ortodoxo. As variadíssimas tradições de canto litúrgico cristão, ortodoxas e católico-romanas não só reflectem a triste separação entre o Oriente helénico e o Ocidente latino mas também mostram interligações, quer com outras tradições de canto, quer com repertórios populares; são estes contrastes e ligações que fornecem a base deste concerto, celebrando o «oikoumene».

O canto bizantino (ou, mais exactamente, neo-bizantino, pois esta é a denominação utilizada na musicologia bizantina para indicar o repertório transcrito na notação revista após 1821) foi representado indirectamente através de um belíssimo hino à Virgem e um “Trisagion” (“triplamente santo” – “Santo Deus, Santo Forte, Santo Imortal, tem piedade de nós”: uma das orações mais frequentes nas celebrações do rito bizantino), oriundos da Bulgária. Apesar do canto bizantino ser associado, no Ocidente, à Grécia, a verdade é que corresponde a uma tradição muito difundida. A Roménia e a Bulgária são dois países que o utilizam nas celebrações eclesiásticas, com os textos traduzidos em romeno e eslavo, respectivamente; o mundo cristão árabe emprega-o também. “Dostoyno est” é um hino à Virgem habitualmente cantado para concluir a “anaphora” (cânone) da liturgia eucarística. “Ust tvoikh”, o apolitíquio (hino de demissão) para a festa de São João Crisóstomo, é um exemplo do canto monofónico do mosteiro russo de Valaam. Hoje em dia, na verdade, há dois mosteiros com este nome: o velho, em solo russo, e o novo, no outro lado do lago, na Finlândia, onde se refugiaram os monges que fugiram da Rússia e cuja biblioteca contém um vasto espólio de livros de canto eclesiástico de várias tradições russas.

A polifonia medieval russa foi representada por um outro “Dostoyno est”, para duas vozes, e “Vozbrannoy voevode”, um hino triunfante à Virgem a três vozes (a chamada polifonia “Znamenny”, pois baseia-se no estilo de canto deste nome que foi fundamental para o desenvolvimento da música russa). Ambos revelam um sentido harmónico bastante original; é preciso lembrar que a “Idade Média” na Rússia durou até ao século XVII – só a partir desta época é que a polifonia começou a surgir.

Para representar a vertente ocidental neste concerto, cantaram-se uma série de obras medievais da Itália e da costa mediterrânica da Península Ibérica que mostram uma espiritualidade mais popular, incluindo um hino em cantochão, publicado em Espanha no século xvi. “Pange língua gloriosa”, no estilo ritmado típico dos hinos “more hispano” desta época.

“Regina Sovrana”, “Salve, salve”, “O Divina Virgo pia” e “Magdalena degna da laudare” evocaram a tradição monofónica das «laude», que foram escritas para serem cantadas nas vigílias e procissões das confrarias em Itália ao longo da Idade Média. As três primeiras têm por tema o louvor da Virgem; “Magdalena degna da laudare” elabora a ideia de Santa Maria Madalena como penitente (conceito resultante da confusão, no Ocidente, de Madalena com a Mulher Penitente, o que gerou toda uma série de pinturas, esculturas e obras musicais). Na sua vivacidade e beleza melódica, “Cuncti simus concanentes”, do “Llivre Vermell de Montserrat”, e “Dized’ai trobadores”, uma “Cantiga de Santa Maria”, mostram o florescimento na época medieval de uma belíssima arte religiosa popular na Península Ibérica – o ponto mais ocidental do «oikoumene».” (Texto, adaptado, de Ivan Moody)

O “Ensemble Alpha”, sedeado em Lisboa, especializa-se nos contrastes e ligações entre várias tradições medievais de música sacra, com ênfase especial nas de países ortodoxos e da Península Ibérica, e com uma abordagem fortemente influenciada por diversas tradições populares. Os vários membros colaboram trazendo as suas próprias experiências diversas e especializadas aos projectos do grupo. Ivan Moody, o director musicológico, é presbítero da Igreja Ortodoxa Grega em Lisboa.

 

Publicado em 31.01.2008 | Actualizado em 05.02.2008

 

 

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