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D. António Ferreira Gomes

Caridade, esperança e fé sem política não são para este mundo

Em artigo publicado no “Página 1”, D. Carlos Azevedo reflecte sobre a obra livro “Provas: a outra face da situação e dos factos do caso do Bispo do Porto”, de D. António Ferreira Gomes, ontem lançado no Porto. No mesmo jornal, a jornalista Aura Miguel entrevista o prelado sobre o mesmo assunto.

 

Artigo de D. Carlos Azevedo

Caridade sem política, esperança sem política, fé sem política, não são para este mundo.

Jesus pediu aos discípulos e mais ainda aos apóstolos para estarem no mundo sem serem do mundo. Uma presença de olhos abertos é própria da mística cristã. O recolhimento de olhos fechados só tem sentido como renovação interior e como entrega ao Pai do acontecer na história. A serenidade da oração fortalece os obreiros da paz, os famintos de justiça, os puros de coração, os que têm o coração próximo das misérias.

É hoje lançado no Porto o livro “Provas: a outra face da situação e dos factos do caso do Bispo do Porto”. Para assinalar os 50 anos do Pró-memória a Salazar (13-7-1958), a Fundação Spes publica um conjunto de documentos reunidos por D. António Ferreira Gomes. Apesar de alguns textos já terem sido publicados, porque encontrados nos Arquivos do Estado ou conservados por particulares, uma parte permaneceu inédita, como o relatório apresentado a Mons. Costa Nunes, aquando da visita apostólica à diocese em Maio de 1959, com o sugestivo título de “Breves notas sobre a crise da Igreja em Portugal”.

A publicação desta recolha documental permite reflectir sobre a dificuldade das vozes proféticas serem acolhidas na sua inquietude e provocação, sempre carregada de futuro.

As razões que moveram o bispo do Porto (1952-1982) a não ficar calado, perante o aproveitamento desvirtuado da doutrina social da Igreja por parte do Estado Novo, foram puramente pastorais, ainda que com forte consequências políticas. Arriscar tomar posição sobre pontos concretos que ferem os valores a defender, não temer as represálias dos autocratas quando está em jogo a dignidade humana e a educação da liberdade são opções pastorais, atitudes decorrentes da atenção dos pastores das comunidades cristãs.

A missão pastoral exigiu ao Bispo do Porto que, em consciência, tomasse posição, mesmo em desacordo com os outros bispos. Foi um risco, mas obedecer antes de tudo a Deus tem destas horas amargas.

O livro hoje publicado contribui para conhecer os contornos de um caso, sem procurar justificar procedimentos, limpar memórias, construir mistificações. O essencial é prosseguir na formação de pessoas capazes de obedecer à consciência. As opções políticas são plurais para quem parte da fidelidade ao Evangelho. Mas o futuro ajudará a ver quem teve mais lucidez.

 

Entrevista de Aura Miguel a D. Carlos Azevedo

Qual a importância desta obra?

É fundamental nós conhecermos os pequenos detalhes de um caso paradigmático como foi o caso do Bispo do Porto, porque, tratando-se de uma posição política decorrente de uma missão pastoral, poderemos reflectir sobre como hoje, também, é difícil defender as grandes causas, defender a doutrina social da Igreja, defender a liberdade perante, às vezes, ameaças subtis. Quando se vê a coragem com que um Bispo enfrentou a autocracia reinante, poderemos ver como há uma malha que tece o nosso contexto e que muitas vezes impede de assumir posições corajosas.

 

Esta obra traz novidades? Ou é, de certo modo, uma compilação do que já se conhece?

Traz novidades. Para além de publicar documentos já encontrados nos arquivos do Estado, porque a PIDE conseguia apanhar documentação que vinha de todo o lado para o Bispo do Porto. Portanto, aparece, também, tanto no arquivo da PIDE como no arquivo de Salazar. Mas há documentos novos, que nunca foram publicados e que serão dados a conhecer pela primeira vez, como o relatório que o Bispo do Porto escreveu para o visitador apostólico, Monsenhor Costa Nunes quando veio visitar a diocese do Porto. São trinta páginas, com anexos, quase que chega às 50 páginas, de um relatório intitulado de uma maneira significativa “Breves Notas sobre a Crise da Igreja em Portugal”. Isto em Maio de 1959, portanto, imediatamente antes da saída para férias, que demorou dez anos.

 

O sr. D. Carlos é Bispo, é historiador e é do Porto. São elementos que o ajudam na sua vocação?

Certamente que o facto de estar ligado ao sr. D. António Ferreira Gomes pesa. Foi ele que me ordenou, que me mandou estudar e que me nomeou director espiritual do Seminário. E pude, depois, ser eu o encarregado de arrumar todos os seus papéis, toda a sua correspondência, após a sua morte e de, agora, vir a ser o Presidente da Fundação Spes. Tudo isso ajuda. O facto de também ter sensibilidade histórica permite agora ter um olhar sobre esse facto. Um olhar que não deve ser de mistificação nem de limpeza de memória, nem de justificação de procedimentos, mas um olhar lúcido que permita recolher também alguma lição deste caso.

 

Artigo relacionado:

D. António Ferreira Gomes por D. Manuel Clemente

D. Carlos Azevedo | Aura Miguel

in Página 1 (Rádio Renascença)

11.07.2008

 

 

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D. António Ferreira Gomes























































































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