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Exposição: Scriptorium medieval

A infatigável arte de perpetuar a escrita

Numa recôndita sala da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, depois de uma passagem pela sacristia, está religiosamente guardado, desde 2002, um “Scriptorium Medieval”.

Ali, o ambiente é perfeito para representar um centro de cópia de manuscritos, de um qualquer mosteiro ou catedral, da Idade Média no Ocidente Europeu.

O Scriptorium – concebido após meses de investigação e de muito empenho de Maria José de Azevedo Santos, directora do Arquivo da Universidade de Coimbra – fez parte de uma exposição intitulada “Santa Cruz de Coimbra – A Cultura Portuguesa aberta à Europa na Idade Média”, realizada no âmbito do “Porto Capital Europeia da Cultura 2001”.
“Convidaram-me a representar o Scriptorium, um local de escrita onde se copiavam os livros antigos e que resultou de muita busca, muito estudo, muita investigação. Foram necessários alguns meses para pesquisar. Trabalhei directamente com arquitectos e marceneiros e ainda foram uns largos meses a trabalharmos sobre este Scriptorium que hoje eu considero uma lição”, conta Maria José de Azevedo Santos.

De Julho a Outubro de 2001, o Scriptorium esteve patente na Biblioteca Pública e Municipal do Porto. Depois, foi entregue à Santa Casa Misericórdia de Coimbra em Abril de 2002. No entanto, desde então, tem percorrido o país: Mangualde, Loulé, Lisboa, Montemor-o-Velho, Porto e algumas escolas de Coimbra são apenas alguns locais por onde já passou.
“É uma aula aberta. Aqui onde ele é exposto ou noutros locais, já passaram milhares de pessoas, sobretudo muitos jovens”. Neste momento, alguns elementos de escrita do Scriptorium estão em exposição no Museu Grão Vasco, em Viseu.

Copista

No “Scriptorium Medieval”, que está há cinco anos à guarda da Santa Casa da Misericórdia, é possível admirar o mobiliário, os instrumentos, os materiais e os utensílios indispensáveis à tarefa complexa e exigente de reproduzir um Saltério, uma Bíblia, um Missal ou outro livro litúrgico. Desde o pergaminho (pele de carneiro ou de cabra para nela se escrever), à pena de ave talhada que, com tinta, servia para desenhar as letras; o chifre de animal que era utilizado como tinteiro, ou a vela, sempre presente nas casas medievais e que servia para iluminar o moroso trabalho do copista; as tabuinhas enceradas com o seu estilete que serviam de bloco de apontamentos e destinavam-se a receber escritos ou a ampulheta para calcular o tempo. É possível admirar tantas outras coisas, como as nozes de galha ou bugalhos, elemento principal na preparação das tintas negras de escrever, por serem ricas em tanino. “São, todos eles, elementos indispensáveis a essa arte, a essa técnica milenar que é a escrita e que ainda hoje toda a gente pergunta o que é, mas que sendo abstracta, continuamos sem saber o que é. Eu costumo questionar-me – também para parafrasear Santo Agostinho que perguntava o que era o tempo – “o que é, afinal, a escrita?” Santo Agostinho respondia, em relação ao tempo, “eu sei o que é o tempo... se não me perguntarem”. E eu também sei o que é a escrita... se não me perguntarem”, diz a autora do Scriptorium.

A verdade é que conseguiu representar esse “palco” onde os copistas procediam à perpetuação da memória literária da antiguidade. No entanto, desta magnífica empresa de transcrever livros, deram os copistas, muitas vezes, no final das suas obras, “um testemunho condoído e melancólico”. A grande maioria daqueles homens considerava a cópia uma louvável mas muito penosa tarefa. “É a referência à dor, à dor física, que domina os seus desabafos. Uma múltipla dor (dos dedos, da mão, das costas, dos olhos) causada por um trabalho que parecia não ter pressa de chegar ao fim. Como a ideologia cultural da escrita proclama: “Era preciso matar o corpo para que a escrita nascesse”, pode ler-se num texto de Maria José Azevedo Santos sobre a exposição.

Depois do dia 17 de Fevereiro, após o encerramento da exposição do Museu Grão Vasco, naquele canto da magnífica sala da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, será possível voltar a descobrir – e a imaginar – essa infatigável arte de perpetuar a escrita.

Patrícia Cruz Almeida

in Diário das Beiras

Publicado em 28.12.2007

 

 

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