Viver perto do Ser
A palavra “cuidado” entrou na linguagem de quem se preocupa com o desenvolvimento sustentável ou seja com o futuro do nosso Planeta e com a edificação de sociedades humanas mais justas, coesas e solidárias.
Uma atitude de cuidado contrapõe-se a uma outra: a desafiliação e o encapsulamento nos interesses míopes de um eu-individual e individualista que não vê – nem quer ver – para além de si mesmo.
Esta segunda postura, tragicamente corrente nas nossas sociedades do mundo ocidental, leva a actos, comportamentos e modos de organização da economia e da vida colectiva que são intrinsecamente predadores do ambiente e geradores de excessos de apropriação e acumulação de bens materiais, dois dos pilares em que assenta a grande e crescente desigualdade de poder económico e a exclusão dos menos favorecidos. Desigualdade e exclusão que, por sua vez, alimentam tensões e conflitos com consequências sérias de insegurança e conflitualidade social no mundo contemporâneo.
Não faltam análises científicas que apontam os riscos de uma civilização que aposta num crescimento económico e num progresso tecnológico ilimitados e sem outros critérios que não sejam a maximização do lucro e a acumulação de riqueza material.
O ser humano da civilização ocidental confronta-se com sinais evidentes de uma crise que o amedronta, mas, por ora, continua enredado nas múltiplas teias que a sustentam e não raro, a ampliam. É comum o sentimento de insatisfação e temor o qual vai a par de uma convicção de impotência relativamente ao paradigma sociopolítico e à cultura dominantes. Uma atitude resignada e paralisante.
Sem subestimar as resistências sistémicas que se opõem a uma indispensável mudança de rumo, urge reconhecer que começam a emergir valores, atitudes e comportamentos com incidência na produção (o que produzir, como produzir e para quem produzir), no consumo (escolhas quanto ao tipo de bens e ao modo como são produzidos, efeitos sobre o ambiente, sobriedade nas aquisições, partilha de bens duráveis, etc), investimentos (critérios éticos na aplicação das poupanças), ou quanto à iniciativa de criação de emprego em novas actividades dirigidas para a satisfação de necessidades individuais e familiares não cobertas e para a promoção do bem estar colectivo.
Se todos somos espectadores, não podemos deixar de ser também actores responsáveis por aquilo vai acontecendo e pela construção do futuro.
É próprio destes tempos de crise, a perda de referências porque, entretanto, se deixaram enfraquecer e secar as raízes que lhes subjazem e por nos termos afastado das fontes do Ser. Por isso, é particularmente importante reconhecer e aprofundar as raízes em que apoiamos o nosso próprio ser para podermos cuidar melhor de um futuro saudável onde se afirme o bem comum. Para tanto, há que desenvolver uma atenção lúcida acerca de todas as potencialidades que emergem e aprender a exercer uma crítica exigente que leve a prevenir as dimensões sombrias de certos paradigmas que tentam afirmar-se.
Manuela Silva
05.09.2008
Topo | Voltar | Enviar | Imprimir