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A visita do papa Francisco ao Iraque vista por um muçulmano

Para quem está habituado a observar as coisas seguindo os limites de um horizonte racional, esta viagem ao Oriente do papa Francisco não faz sentido. O Iraque é um território ainda ameaçado por resíduos da guerrilha do Daesh-Isis, a pandemia atingiu a saúde do povo daquela região e também a do núncio em Bagdade. A segurança internacional e a saúde desaconselham a visita ao Iraque. Em vez disso, o papa Francisco supera esta interpretação restrita da realidade, supera os obstáculos para realizar uma ação do mais alto significado e amplitude, e realiza a intenção do seu santo predecessor João Paulo II, que desejou fazer uma peregrinação às origens de Abraão, a Ur dos caldeus, para levar o conforto espiritual aos cristãos do Oriente numa missão de fraternidade e de ecumenismo, pela unidade dos cristãos e como ponto de encontro entre as comunidades religiosas monoteístas. Deter-me-ei em duas etapas: Mossul e Najaf.

A destruição da mesquita Yunus por parte dos falsos justiceiros de al-Baghdadi fez-nos esquecer a história de Mossul e o seu valor simbólico. Foi verdadeiramente paradoxal a justificação de abater uma mesquita que tem o nome de um profeta como Jonas – querido a judeus, cristãos e muçulmanos – só porque os muçulmanos nela hospedaram os cristãos, e ambos foram considerados inimigos do “califado” do terror. A visita do papa a Mossul representa a vitória da fraternidade sobre o fratricídio, e relança a esperança de caminhar pelo caminho da sincera hospitalidade recíproca e colaboração entre crentes.

Na cidade natal de Abraão, Ur dos caldeus, o papa Francisco vai às raízes do monoteísmo, da fraternidade do pai de Ismael e de Isaac. Por um lado, as raízes do culto sincero para a adoração ao Deus único purificado do paganismo idólatra, por outro a renovação de gerações de profetas e herdeiros de uma grande família e companhia espiritual. Como muçulmanos, oramos em conjunto pelo papa, para que o apelo desta nobre origem da religião primordial possa ser redescoberta e retransmitida como perspetiva de vida e como antídoto e cura das desgraças do egoísmo e das lutas tribais de poder e de especulação efémera.



O encontro com o papa Francisco em Najaf pode inspirar uma nova pista de atuação da fraternidade: uma fraternidade inter-religiosa e espiritual. Pode ajudar os irmãos e as irmãs da mesma comunidade e do mesmo povo a reconhecer-se, respeitando as diferenças teológicas e culturais, como crentes unidos na herança e na responsabilidade de salvaguarda e retransmissão de uma presença espiritual de paz e conhecimento



Por fim, Najaf, cidade santa para os muçulmanos xiitas e sunitas, onde se encontra o sepulcro de Ali, discípulo e genro do mensageiro do islão, centro espiritual da nobre família al-Khoei. Nesta cidade foi assassinado em 2003 Abd al-Majid al-Khoei, outra violência fratricida contra quem se batia pela unidade do povo e o respeito dos lugares sagrados. Era o filho do grande aiatóla Abu al-Qasim al-Khoei, fundador e mestre da escola de formação teológica xiita de Najaf. Juntamente com o meu mestre e pai shaykh Abd al-Wahid Pallavicini encontravam-se anualmente com Abd al-Majid al-Khoei no Cairo para um debate entre muçulmanos sunitas e xiitas sobre o diálogo com os cristãos.

Dizia-nos que os jogos de poder provocam extremismos contrapostos entre falsos reformistas e falsos tradicionalistas. O povo precipita-se na barbárie e os religiosos decaem no formalismo esvaziado de espiritualidade. Só a educação para a ciência sagrada e para o conhecimento religioso podem travar esta violência. O atual secretário-geral do Instituto al-Khoei de Najaf é Sayyed Jawad Mohammed Taqi al-Khoei, que esteve entre os signatários do documento “Fraternidade para o Conhecimento e a Cooperação (www.christians-muslims.com) e entre os principais promotores do encontro entre o papa Francisco e um dos mais qualificados mestres espirituais e doutrinais do islão tradicional, o aiatóla Ali al-Sistani. Ele é, com efeito, o herdeiro desta escola islâmica, representante de uma interpretação do islão xiita diferente da promovida da República Islâmica do Irão.

O encontro com o papa Francisco em Najaf pode inspirar uma nova pista de atuação da fraternidade: uma fraternidade inter-religiosa e espiritual. Pode ajudar os irmãos e as irmãs da mesma comunidade e do mesmo povo a reconhecer-se, respeitando as diferenças teológicas e culturais, como crentes unidos na herança e na responsabilidade de salvaguarda e retransmissão de uma presença espiritual de paz e conhecimento que nos foi ensinada pelos profetas e pelo patriarca Abraão e os seus filhos a judeus, cristãos e muçulmanos.


 

Imã Yahya Pallavicini
Presidente da Comunidade Religiosa Islâmica de Itális
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 05.03.2021 | Atualizado em 07.10.2023

 

 

 
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