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Suor e sacrifício: A lição de Jesse Owens

Numa só frase, seca e perentória, exprimia a sua filosofia: «Desenvencilhar-se para viver». De resto, não podia ser de outra maneira, considerando que Jesse Owens, o atleta dos EUA que ficou na história por ter vencido quatro medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936, provinha de uma família muito humilde, e tinha experimentado desde criança os rigores e as privações impostas pela pobreza, precisando de sacrifício e suor para as ultrapassar.

A quarenta anos da sua morte, ocorrida a 31 de março de 1980, ainda está bem viva a lição por ele dada através de um testemunho nutrido de paciência, coragem e determinação férrea. Com efeito, não foi só a indigência que condicionou pesadamente a sua entrada no mundo do desporto (só conseguia treinar depois de, saído da escola, ter cumprido o seu turno de trabalho numa loja de sapatos, na qual conseguia ganhar algum dinheiro): teve de combater o racismo e a discriminação.

À luz deste cenário, os jovens de hoje não podem não encontrar em Jesse Owens um exemplo iluminador de força e vontade de superação dos obstáculos que muitas vezes se interpõem para a obtenção de um sacrifício. Owens sobressaía como velocista e no salto em comprimento. Uma vez, um cronista perguntou-lhe como e quando tinha percebido que era tão dotado nessas duas disciplinas que não são propriamente afins. Owens respondeu-lhe que tinha de correr todos os dias para apanhar o autocarro para o trabalho; se o perdesse, não seria pontual, e isso não lhe seria perdoado. A correr com essa intensidade, percebeu que pouco lhe faltava para ser mais rápido do que o autocarro.

E o salto em comprimento? À força de tentar saltar, desde criança, tantos obstáculos, tinha desenvolvido – disse Owens com amarga ironia – uma grande capacidade de deixar para trás as dificuldades.



Também em Nova Iorque, onde, de regresso de Berlim, foi festejado com grande pompa e participação do povo, Jesse Owens teve de sofrer a ofensa e o afronto de opções ditadas pela discriminação



Que para os jovens Jesse Owens pode representar uma sólida referência na qual se inspirar confirma-o um dos maiores atletas da história, o compatriota Carl Lewis, também vencedor de quatro medalhas de ouro nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1986: «Tinha treze anos quando, ao ver as imagens, tão descoradas quanto eloquentes, de Owens, que voava naquela pista de Berlim fiquei fulminado. E ao aprofundar a sua história, tão marcada por odiosos preconceitos por ele superados, confiando-se no seu talento e no seu amor à vida, aprendi que se se quer alcançar um resultado, sobretudo se é particularmente ambicioso, é preciso sofrer. E quando nas Olimpíadas de Los Angeles venci, como ele, quatro medalhas de ouro, o meu pensamento, rico de gratidão, foi logo para esse Jesse que tive como modelo».

Jesse Owens teve de sofrer as chicotadas da discriminação racial quer na Alemanha, quer nos EUA, em particular em Nova Iorque. Diante dos olhos de Hitler não só adquiriu a medalha de ouro, como bateu na final dois atletas alemães considerados «a perfeita incarnação» da raça ariana, e por isso dados como favoritos. Nos cem metros ultrapassou Erich Borchmeyer, e no salto em comprimento Luz Long. Conta-se que este, impressionado pela força do rival, o aconselhou a começar a corrida mais atrás, para evitar que o seu salto, como já tinha acontecido, pudesse ser considerado nulo. Este conselho, tão inesperado como precioso, foi dado por Lang no último salto, que daria a Owens a medalha de ouro. As notícias desse tempo contam que Hitler, ressentido, ou melhor, indignado, teria deixado a tribuna do estádio, onde se tinha acomodado, convicto de assistir ao triunfo dos atletas de raça ariana.

Mas também em Nova Iorque, onde, de regresso de Berlim, foi festejado com grande pompa e participação do povo, Jesse Owens teve de sofrer a ofensa e o afronto de opções ditadas pela discriminação. Tristemente exemplar foi o que aconteceu por ocasião da receção, em sua honra, no hotel Waldorf. Não lhe foi permitido entrar pela porta principal – como recorda John Ashdown num artigo no “Guardian” – e para chegar ao segundo piso, onde foi organizada a festa, teve de subir no ascensor destinado ao transporte de mercadorias. Foi-lhe negado entrar no elevador usado pelas pessoas.

E as quatro medalhas de ouro conquistadas na capital alemã não foram um motivo válido – recorda John Ashdown – para que o presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, lhe enviasse um telegrama de congratulações. Só em 1976, como parcial ressarcimento dos agravos cometidos, as autoridades americanas decidiram conferir a Owens a medalha da Liberdade, o mais alto reconhecimento, nos EUA, para um civil. Que ele mereceu plenamente.


 

Gabriele Nicolò
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 31.03.2020 | Atualizado em 09.10.2023

 

 
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