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Movimento de Renovação de Arte Religiosa continua a ser «lição importante para os nossos dias»

Imagem Igreja do Sagrado Coração de Jesus, Lisboa | 1970 | Nuno Teotónio Pereira, Nuno Portas | Arquivo do M.R.A.R. | D.R.

Movimento de Renovação de Arte Religiosa continua a ser «lição importante para os nossos dias»

O Movimento de Renovação de Arte Religiosa (MRAR), criado em Portugal no ano de 1953, constitui «uma lição importante para os nossos dias», considera o arquiteto João Alves da Cunha, que terça-feira apresentou em Lisboa uma tese de doutoramento sobre aquela plataforma.

A investigação “O MRAR e os anos de ouro da arquitetura religiosa em Portugal no século XX – A ação do Movimento de Renovação da Arte Religiosa nas décadas de 1950 e 1960” foi defendida na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa.

O trabalho do membro do Grupo de Arquitetura do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura foi coorientado pelos arquitetos José Manuel Fernandes, professor daquela escola, e Nuno Teotónio Pereira, fundador e primeiro presidente do MRAR, tendo obtido nota máxima.

 

O MRAR e os anos de ouro da arquitetura religiosa em Portugal no século XX
Excertos da conclusão da tese de doutoramento
João Alves da Cunha

O Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR) foi fruto da militância católica de um grupo de arquitetos, artistas plásticos e historiadores empenhados em conferir aos edifícios religiosos em Portugal uma maior dignidade e qualidade plástica, numa oposição formal à manutenção dos modelos tradicionalistas. O bom acolhimento em Lisboa e no Porto de uma ousada Exposição de Arquitetura Religiosa Contemporânea, levou à fundação do Movimento em 1953 pelo pequeno grupo organizador, que contava com poucos meios e apenas algumas certezas, mas com uma inabalável vontade de trabalhar para mudar a mentalidade vigente. António Freitas Leal, P. António dos Reis Rodrigues, Flórido de Vasconcelos, Henrique Albino, João Braula Reis, João Correia Rebelo, João de Almeida, José Maya Santos, Madalena Cabral, Maria José de Mendonça e Nuno Teotónio Pereira ficam para a história como tendo sido os sócios fundadores do MRAR, aos quais se juntaram posteriormente nomes como Nuno Portas, Diogo Lino Pimentel, Luiz Cunha, Sebastião Formosinho Sanchez, Erich Corsépius, Manuel Cargaleiro, José Escada, Eduardo Nery e Vitorino Nemésio.

p<>FotoIgreja de Santo António de Moscavide, Lisboa | 1956 | João de Almeida, António Freitas Leal | Arquivo do MRAR | D.R.

Durante quinze anos politicamente conturbados e de forte secularização, o MRAR, apesar das suas características – grupo de amigos a trabalhar em regime de voluntariado -, realizou um programa ambicioso, composto por reuniões, encontros e outras atividades de valorização doutrinal e técnica, realização de exposições, cursos e conferências, edição de um boletim, promoção de concursos de arquitetura e de obras de arte sacra por artistas competentes. Também fundamental foi o estudo e reflexão que os próprios membros do MRAR realizaram, que passou pela leitura de livros e revistas internacionais, por visitas a igrejas no estrangeiro e pela relação próxima com padres e seminaristas, o que lhes conferiu um profundo conhecimento da temática, bem como uma capacidade particular para abordar o programa e projetar igrejas. Bem informados e fazendo bom uso do pouco tempo e dos reduzidos meios disponíveis, os membros do MRAR conseguiram numa década mudar mentalidades e contribuir para a renovação cultural da Igreja, num processo que afirmou e consolidou a construção da arquitetura religiosa moderna em Portugal.

ImagemIgreja de S. Mamede de Negrelos | 1965 | Luiz Cunha | Arquivo do MRAR | D.R.

O pensamento arquitetónico e litúrgico do MRAR não nasceu com a fundação do Movimento, mas foi sendo construído ao longo do tempo, num primeiro momento mais a nível teórico que prático, uma vez que os projetos eram muito limitados. A construção das igrejas de Águas e de Moscavide e da capela do Picote foram por isso fundamentais para a definição da sua proposta, que começou por ganhar corpo em meio rural. O tempo do MRAR foi um tempo de transição na Igreja muito marcado pela realização do Concílio Vaticano II, pelo que a construção em meio urbano das igrejas modernas propostas pelo MRAR acabou por ter de esperar pela sua vez, mas assim que se tornou possível deu origem a igrejas marcadas por um novo programa e por um novo conceito eclesiológico. O desejo de serviço à cidade levou à edificação já não de templos, mas de centros paroquiais, onde sobressaía o volume da igreja, mas sem monumentalidade ou tentativa de domínio sobre o território. A linguagem plástica utilizada era a do seu tempo, feita de materiais e técnicas modernas de construção, mas nenhuma forma ou “cara de igreja” foi estabelecida previamente pelo MRAR. Cada edifício era único e a sua forma resultava do contexto rural ou urbano em que se inseria. A palavra-chave era integração. As igrejas projetadas por Luiz Cunha para Fátima, Negrelos e Póvoa do Valado retratam bem este pensamento arquitetónico do MRAR: no ambiente urbano descaracterizado de Fátima, Luiz Cunha optou pela construção de uma igreja em betão à vista, no território nortenho recorreu à alvenaria de granito aparelhado e na zona de Aveiro fez uso do material local, tijolo de burro. Estas três obras muito distintas na forma, mas próximas na conceção litúrgica e arquitetónica, acabaram assim por contribuir de um modo especial para a confirmação das virtudes da integração arquitetónica de cada obra no seu meio ambiente como defendia o MRAR.

FotoIgreja dos Dominicanos, Fátima | 1965 | Luiz Cunha | Arquivo do MRAR | D.R.

Quanto ao entendimento do espaço interno de uma igreja, o MRAR promoveu o funcionalismo litúrgico, que defendia a afirmação de um lugar próprio para cada função como forma de a valorizar litúrgica e pastoralmente. No entanto, devido à primazia que dava à celebração eucarística – que considerava como a função primeira da igreja -, o espaço litúrgico era totalmente orientado para o altar, que predominava sobre todos os restantes elementos da igreja. A vontade de traduzir espacialmente o chamamento à participação ativa de toda a assembleia celebrante na Eucaristia, levou-os a utilizar preferencialmente uma planta de igreja com a assembleia organizada em leque em torno do altar, que se desejava mais próximo dos fiéis. De modo a acentuar a centralidade do altar, o MRAR defendeu também o despojamento decorativo – principalmente da zona do presbitério - para impedir a distração dos fiéis. As suas igrejas possuíam assim poucos elementos artísticos, os quais eram posicionados em locais pastoralmente estudados. Estes eram sempre obras de autor, de grande qualidade artística, pois o MRAR opunha-se às peças de série.

FotoIgreja de Nossa Senhora de Fátima, Póvoa do Valado | 1968 | Luiz Cunha | Arquivo do MRAR | D.R.

Apesar do processo histórico ter levado a que a proposta arquitetónica do MRAR não tenha perdurado no tempo, o seu modo de proceder – caracterizado pela promoção do debate, da formação, da crítica de projetos e da troca de informação entre pares - mantém-se ainda hoje um modelo válido para os agentes responsáveis pela criação e gestão da arte e arquitetura religiosa. O MRAR soube reunir, formar e sensibilizar arquitetos, artistas, padres e seminaristas para a dimensão estética das obras da Igreja. Esta caminhada de estudo, discussão e formação comum que o MRAR experimentou revelou-se como fator de qualificação da arquitetura religiosa e permanece, por isso, uma lição importante para os nossos dias, tal como a humildade e sentido de serviço que sempre revelaram. Como na resposta a uma carta que o Movimento recebeu em 1964 com várias referências em tom de ameaça ao prestígio do MRAR, que levou Diogo Lino Pimentel a clarificar o sentido e propósito do Movimento – “O MRAR é um movimento de católicos empenhados em servir a Igreja num campo específico – o da Arte Sacra. A sua ação é de esclarecimento, de apoio, de doutrinação, de incentivo, de formação, de divulgação, etc., mas nunca de realização de obras. Deste modo, o MRAR não faz projetos, nem se preocupa muito com o seu prestígio. O MRAR preocupa-se com a Igreja e não consigo próprio.” Assim nasceu em 1953 e assim terminou em 1969.

FotoIgreja de Paço de Arcos | 1969 | João de Almeida | Arquivo do MRAR | D.R.

 

Publicado em 30.10.2014

 

 
Imagem Igreja do Sagrado Coração de Jesus, Lisboa | Nuno Teotónio Pereira, Nuno Portas | Arquivo do M.R.A.R. | D.R.
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