Noutros tempos talvez também nós os tenhamos considerado homens e mulheres extraordinários mas inalcançáveis. Às vezes, do alto da sua grandeza, amedrontaram-nos; outras vezes invocámo-los para deles receber algum benefício. Mas permaneciam distantes, como as estátuas e as pinturas que os retratavam nas nossas igrejas. Belos, preciosos, mas distantes. Flores e velas depostos aos seus pés para lhes dar graças. Mas, antes, foram-nos dados para serem imitados. Os santos, os nossos santos, que povoaram a história destes dois mil anos que nos separam de Cristo, de toda a língua, povo e nação. De todas as idades, diferentíssimos entre eles.
Nem sempre compreendidos pelos seus contemporâneos, por vezes, até, incrivelmente hostilizados; outras vezes reconhecidos já em vida como autênticos amigos de Deus, pessoas em quem se pode confiar. O que têm em comum o apóstolo Pedro e o Beato Carlo Acutis? Ou um homem de mente excelsa como Tomás de Aquino com Francisco e Jacinta, os dois ingénuos pastorinhos portugueses do século XX? O amor a Cristo. O santo é uma pessoa em relação. Uma relação que, lentamente, se torna exclusiva. Mas – atenção – quanto mais se faz total, mais se abrem e doam aos outros os frutos que brotam desta relação original.
O que caracteriza a vida de um santo? A humildade. É esta, com efeito, a virtude cardeal sobre a qual mais florescem todas as virtudes. A humildade torna-te livre, verdadeiro, leve. A pessoa humilde – ainda que seja rica e poderosa – sabe bem que não é dona de nada, nem sequer do instante que se segue àquele que está a viver. E, acolhe, portanto, a vida como um dom. Um dom incrível, imenso, único, irrepetível, do qual jorra, como riacho da rocha, a água pura e fresca da gratidão. Viver sem poder dizer obrigado é um tormento. Para todos, crentes e não crentes.
Um tormento que o santo não conhece. Será este sentimento que lhe escancarará as portas do magnífico mundo do espanto. O santo é como uma criança que corre freneticamente na grande quinta do avô. Corre entre os caminhos, vê as flores, acaricia a cabrinha recém-nascida. E não deixa de fazer perguntas. E não cessa de correr atrás das lagartixas e das borboletas.
Até que, chegado o anoitecer, extenuado pelo cansaço, se lança nos braços da mamã. E conta-lhe as descobertas que fez. E continua a pedir explicações. Insaciável, nunca se contenta. Uma vez na cama, durante o sono, continua as suas incursões. Nada é seu. Tudo lhe pertence. Que mundo fantástico está a conhecer. Os camponeses querem-lhe bem. Ele pensa em ajudá-los, na realidade acaba por atrapalhar não pouco o seu trabalho. Mas aqueles entram no jogo. A sua inocência alegra-os. A criança descobre coisas que eles, os camponeses, atarefados e cansados, já não conseguem ver. Dá-se conta dos pequenos insetos, controla os ovos no ninho dos pássaros. Nada é seu. De tudo se sente dono.
Senhor, concede-nos que vejamos o mundo com os olhos de uma criança. Dar-nos-emos conta, então, do imenso milagre da vida. E enlouqueceremos de dor só de pensar em poder fazer mal a quem quer que seja. E faremos tudo para devolver o sorriso ao rosto de quem chora. E sentiremos a necessidade e a alegria de dialogar com os irmãos, de nos pormos à escuta das suas histórias. E tornar-nos-emos amigos, dando e pedindo ajuda quando os dias se tornam pesados.
A humildade. Neste dia dedicado aos nossos irmãos e irmãs que nos veem do Alto, invocamos o dom indispensável da humildade. Apesar de não possuirmos nada tornar-nos-emos donos de tudo. O pensamento que Deus nos ama, hoje, enlouquece-nos. A certeza de que, como nós, ama a criação e cada criatura, impele-nos a amá-las e a servi-las. Sem esperarmos recompensa alguma. Tão grande é, com efeito o dom recebido, que a eternidade não chegará para o compreender e saborear plenamente.