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Cinema

O desenho dos movimentos de Jesus

O «Evangelho segundo São Mateus», de Pasolini, é um filme belíssimo e singular. Não vou aludir à poética cinematográfica, para o que não tenho competência, mas extrapolar, a partir das suas imagens, sobre o significado da forma como os corpos dos protagonistas e os seus movimentos nos são apresentados.

Nesta obra, o corpo é colocado em destaque de uma maneira particular. Não me refiro exclusivamente aos movimentos expressivos de emoções e de sentimentos que, pelo seu caráter mimético, são imediatamente legíveis, como o sorriso de Jesus perante as crianças, o sofrimento dos doentes e a sua incontida alegria quando são agraciados com os milagres de Jesus, o arrependimento de Judas Iscariotes, para que só encontra “consolo” no suicídio, ou a dor de Maria quando Jesus se entrega na cruz. Refiro-me também, e sobretudo, aos corpos apresentados com uma expressão quase neutra, rigorosa e minuciosamente dispostos no espaço.

Tal como acontece numa coreografia, os corpos neste filme de Pasolini, independentemente do poder da sua palavra, têm uma extraordinária força poética que lhes é atribuída por uma aparente dramaturgia dos movimentos que diria ser marcada por três grandes tempos.

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O primeiro, a que chamaria “corpos suspensos”, compreende os planos em que os corpos são filmados ao nível médio, ao nível do “olhar” da câmara, do nosso olhar, portanto. São exemplos os primeiros grandes planos de Maria e de José, as imagens da sua fuga para o Egito e o regresso a Israel. São planos em que os corpos, equilibrados, suspensos, parecem aguardar o anúncio do sentido que os fará moverem-se.

O segundo tempo, que designaria por “viagem ascensional”, inicia-se com o primeiro olhar que, neste filme, se dirige para o alto, o da mulher batizada por João, a que se seguirá o batismo de Jesus e a intensa projeção do olhar de todo o grupo para o cimo. Durante este ritual, o espaço expande-se e abre-se verticalmente, para não mais se fechar, ao longo ao filme.

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Finalmente, as “deambulações pela terra”, um tempo que se inicia quando Jesus convoca os seus futuros companheiros, Pedro, André, Tiago, João, Filipe, Tomé, Simão... Com os seus amigos, Jesus percorre o mundo, pisa colinas e vales, caminha sobre o mar. Em conjunto, dirigem-se àquele lugar que neste filme se transforma no ponto mais alto da terra, o cimo de uma montanha, em que Jesus delega em Pedro a instituição da Igreja. Deus cria o mundo, mas é através dos movimentos do seu filho, homem, e dos movimentos dos amigos de seu filho, homens, que o consagra e o oferece aos outros homens e mulheres.

 

Este texto integra a edição n.º 15 (maio 2011) do "Observatório da Cultura", publicação semestral do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

 

Maria José Fazenda
Professora de Antropologia da Dança
© SNPC | 03.05.11

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