Cinema
"Complexo - Universo Parelelo": cinema e ativismo
É o filme do momento em Portugal. Porquê? Antes de mais, pelos créditos lusos implícitos na ficha técnica. Nada menos que Mário e Pedro Patrocínio, respetivamente realizador e diretor de fotografia, os dois irmãos portugueses que conceberam este filme a partir da experiência quotidiana de três anos no maior aglomerado de favelas do Rio de Janeiro.
Chama-se Complexo do Alemão, esse submundo ermo e superpovoado de que sempre se ouve falar pelas piores razões: crime, droga, prostituição, pobreza... Foi para descobrir o que as câmaras e a demolidora cortina mediática pouco mostram que os irmãos se aventuraram a partir de Portugal para o Brasil e a fazer o que muitos, cá e lá, julgaram impossível: revelar o pulsar da vida na zona onde “ou se mata ou se morre”. Ou, noutra perspetiva, provar a capacidade dos profissionais de cinema nacionais rasgarem horizontes, conquistando mais terreno fílmico, mais temáticas, mais público...
Pegando num par de pessoas que, dia após dia, desafiam a fatalidade e se desembaraçam das amarras da resignação, é através do testemunho relatado de Seu Zé e Dona Célia, mais que pela sua ação e relação natural com vizinhos ou outros, que seguimos o incansável empenhamento dele na promoção da sustentabilidade da vida comunitária no morro e a persistente luta dela na sustentação e promoção da família – sete filhos e um marido não cooperante incluídos. Pelo caminho, outros habitantes da comunidade são vistos e ouvidos, como dois jovens que, encapuçados e de arma em punho se insurgem contra a ineficácia e o envolvimento corrupto da polícia na sua estratégia de relação com o crime nas favelas.
Dominando consideravelmente a técnica cinematográfica, com uma câmara dinâmica que opta, oportunamente, por se deter ante uma paisagem, um testemunho, o filme tem provavelmente na direção fotográfica a sua melhor qualidade.
O jogo cuidadoso que se joga em certas sequências, com a força da imagem e da palavra a despique, é tal que dificilmente se pode aceitar a assumpção deste filme como documentário. Não, aqui tudo é intencional, nem sempre isento, e segue a um ritmo e discurso bem dominado pelo realizador, mais que impelido pelo seu objeto. Há causas, há ideias e uma mensagem que se quer fazer passar. E pedem, por isso, debate ao espectador.
A obra venceu a categoria Melhor Filme Internacional Direitos Humanos na 7ª edição do Artivist Film Festival, que decorreu em dezembro de 2010 em Hollywood, Los Angeles.
Criado em 2003, o Artivist é considerado o maior festival de cinema do mundo inteiramente dedicado aos direitos humanos e dos animais e à preservação do ambiente.
Margarida Ataíde / SNPC
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16.01.11