Evocação
Martírio dos Romanov permitiu ressurgimento da Igreja ortodoxa russa
Noventa e dois anos depois do seu assassinato os Romanov são venerados como santos, enquanto os seus assassinos caíram no esquecimento.
As condições de vida tinham vindo a piorar. De uma situação de relativo conforto, os Romanov estavam agora a viver à base de rações de soldado e sujeitos às vulgaridades dos seus guardas, que faziam desenhos obscenos nas janelas para assustar as princesas.
Desde 30 de abril que estavam em Yekaterinburgo, cidade dos Urais. O czar mantinha-se a par dos desenvolvimentos políticos no país, cada vez mais convencido do erro que tinha sido a abdicação, mas não encontrava razões para temer pela vida. Ainda por cima os rumores sobre plano para os soltar abundavam, e as forças antirrevolucionárias estavam por perto, aumentando a esperança de uma libertação.
Foi com alguma surpresa que a família foi acordada na noite de 16 para 17 de julho. Os seus guardas disseram que se tratava de uma medida de segurança, perante o avanço dos antirrevolucionários, e que deveriam descer até à cave.
Procissão encabeçada por monges cristãos ortodoxos russos (Richard T. Nowitz/Corbis)
Vestiram-se e desceram, o imperador carregando ao colo o seu filho. Já na cave, e na companhia de quatro empregados que se tinham recusado a abandoná-los, foram informados de que tinham sido condenados à morte. Nicolau mostrou-se incrédulo, mas o oficial repetiu a ordem.
Citando as palavras de Cristo aos seus carrascos, Nicolau apenas terá dito “Não sabem o que fazem”, antes do massacre começar.
Nicolau II foi o primeiro a morrer. As mulheres tiveram que ser abatidas à queima-roupa, uma vez que as joias que tinham cozido no interior das suas roupas defletiam as balas. As baionetas encarregaram-se de acabar o trabalho.
Evangelho em caracteres cirílicos (rm/SNPC)
Assim se extinguiu a família imperial, mas os Romanov não morreram na mente dos russos, especialmente daqueles que se opunham ao regime. Uma das principais responsáveis por isso foi a Igreja Ortodoxa, em particular a exilada, que tinha outra liberdade.
No ano 2000 os Romanov foram canonizados. Arseni Sokolov, padre da Igreja Ortodoxa Russa em Portugal, explica a importância destes santos para a sua Igreja: “É muito grande! O regicídio foi o início do desastre, da desgraça e destruição do povo russo pelos terroristas comunistas. A canonização da família imperial foi um reconhecimento de todos os milhares de mártires mortos pelo regime. O sangue destes mártires foi o que permitiu o ressurgimento da Igreja Russa”.
P. Arseni Sokolov. Capela da Boa Nova, Lisboa (rm/SNPC)
Alguns críticos viram na canonização um gesto político, mas o Pe. Sokolov nega essa ideia: “A família imperial foi um modelo de como deve morrer um cristão. Os mártires mostraram que é melhor morrer do que cair na idolatria do comunismo”.
No calendário ortodoxo russo os Romanov são comemorados a 18 de julho. Este ano a data calhou no Domingo, mas ainda assim rezou-se e cantou-se em memória dos mártires na Divina Liturgia das 11h que habitualmente se celebra na Capela da Boa Nova, em Lisboa, perto de Santa Apolónia.
Filipe d'Avillez
In Rádio Renascença
20.07.10