Arte
Museu judaico dedica exposição à imagem do Crucificado
“Algo deste género nunca aconteceria em Nova Iorque ou em Jerusalém”. Assim se lamentou um dos patronos da Galeria Ben Uri, o museu judaico londrino. Evidentemente, a decisão de uma instituição judaica dedicar uma exposição ao tema do crucifixo é polémica quanto baste.
Mas “Cross Purposes: Shock and Contemplation in Images of the Crucifixion”, não é uma exposição cristã, longe disso. Algumas das representações são de autores cristãos, mas outros são feitos por judeus. Muitos são até influenciados pelo holocausto.
Ao todo são 21 representações, que demonstram, nas palavras do museu, o desejo de “seguir a evolução da representação da crucificação, de uma iconografia especificamente religiosa e cristã para uma expressão genérica de angústia, pensada especificamente para despertar o choque e a contemplação”.
De seguida, mostramos algumas das imagens na exposição, comentadas pela crítica Laura Gascoigne, na edição de 14 de agosto da revista britânica “The Tablet”.
Crucificação – Emmanuel Levy (1942)
“O seu Jesus tem grossas sobrancelhas negras e uma barba preta saliente. Para quem não entender estas pistas, está ainda envolto num tallit – o xaile de oração judaico – e ostenta filactérias na sua fronte e no seu braço. Na inscrição por cima da sua cabeça não se lê o tradicional INRI, mas sim as letras igualmente familiares – embora noutro contexto – JUDE. O quadro foi pintado em 1942, no auge do holocausto, quando o artista anglo-judaico, obcecado pelo pensamento «estão-nos a afogar», se sentiu impelido a passá-lo à tela. A sua Gólgota é um cemitério cristão de cruzes idênticas nas margens de uma cidade dominada pela espiral de uma Igreja. A sua figura crucificada não nos contempla, não se trata de um salvador. A sua cabeça está voltada, os seus olhos virados para o Céu: está a perguntar a Deus porque é que foi abandonado”.
Apocalipse En Lilás, Capriccio – Marc Chagall (1945)
“Mostra um Cristo crucificado, com filactérias e um tallit na cabeça, ao estilo de uma tiara e véu de noiva, lançando um olhar pernicioso sobre um nazi que se aproxima, de forma ameaçadora, de um grupo de pessoas nuas e indefesas, junto a arame farpado. Por detrás da cruz um relógio de pêndulo, uma das marcas do artista, cai em direcção à terra como um cometa. Despido dos seus ponteiros, indica o fim dos tempos: a descoberta dos campos da morte parou todos os relógios”.
The cross was not heavy enough – John Hartfield (1933)
“Nesta sua colagem satírica John Hartfield substituiu o centurião no caminho do Calvário por um Nazi, que está a converter a cruz numa suástica. Quando surgiram fotografias de Bergen-Belsen, dos cadáveres em forma de cruz, a identificação consumou-se.”
Crucificação – Graham Sutherland (1947)
Em Inglaterra Graham Sutherland, convertido ao Catolicismo, deu início a uma série lancinante de crucificações, que oscilam de forma periclitante na fronteira do desespero. As costelas salientes do Cristo na sua Crucificação de 1947, que se pode ver nesta exposição, tem claramente as suas raízes nas fotos do holocausto que, como reconheceu Sutherland, lhe deram forças para voltar a debruçar-se sobre o tema. «A ideia do Cristo crucificado tornou-se-me muito mais real ... pareceu-me possível voltar a pintar este tema».”
The Image of Man – Robert Henderson Blyth (1947)
“Para este artista escocês, que esteve na Alemanha com o Corpo Médico das Forças Armadas Britânicas, e viu a destruição que as bombas aliadas tinham causado em Hamburgo, ninguém estava inocente. O Cristo crucificado neste quadro, de 1947, é uma estátua decapitada numa cruz estilhaçada, nas ruínas de uma casa alemã bombardeada. A cabeça da estátua encontra-se no chão, como a máscara de Agamemnon, aos pés de uma coluna clássica quebrada. A promessa da salvação cristã, sugere o quadro, morreu com a guerra, levando com ela toda a civilização ocidental.”
Crucificação Dourada – Norman Adams (1993)
“Uma reinstalação, para a era moderna, da gloriosa cruz do Cristianismo primitivo: atrás do seu Cristo radioso vê-se uma trindade de borboletas de asas abertas, arautos da esperança de uma transformação redemptora”.
Cross Purposes: Shock and Contemplation in Images of the Crucifixion encontra-se em exposição na Galeria do Museu Ben Uri, em Londres, até ao dia 19 de Setembro de 2010.
Filipe d'Avillez
© SNPC |
07.09.10







