Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura

«Jesus, recorda-te de mim quando chegares ao teu Reino»

«Jesus, recorda-te de mim quando chegares ao teu Reino»

Imagem Crucificação (det.) | Duccio | 1308-11

A festa por excelência de Cristo Rei do universo é a ascensão, a glorificação de Jesus por parte do Pai, que o entroniza junto a si como "Kýrios", Senhor vivente para sempre. Em 1925 juntou-se a festa que este domingo se celebra para recordar tal realeza aos reis deste mundo. A reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, na verdade, mudou-a em profundidade: Jesus Cristo é Rei porque reina sobre a cruz; é um Rei ao contrário dos reis deste mundo, crucificado entre malfeitores; é um Rei condenado pelos poderes religioso e político; é um Rei que salva os outros e não a si mesmo. Em síntese, é um Rei paradoxal!

O trecho evangélico de Lucas previsto para esta festa no ano litúrgico C, que termina precisamente no domingo, abrindo caminho ao ano A, é a narrativa da crucificação de Jesus (23,35-43). Depois da condenação pedida pelos sacerdotes e infligida por Pilatos, o cortejo que escolta Jesus e os dois delinquentes condenados juntamente com Ele chega a uma pequena colina fora da cidade de Jerusalém, para além da porta de Efraim, no local que os judeus chamavam Gólgota, ou Crânio, ou monte Calvo, onde segundo uma lenda tinha sido sepultado Adão. É precisamente aí que os três são crucificados, com o terrível suplício reservado aos descartados da sociedade, aos piores delinquentes. Entre os dois criminosos, incluído entre aqueles que cometeram o mal, é crucificado o novo Adão, ou melhor, o verdadeiro Adão, o homem totalmente à imagem e semelhança de Deus.



Lucas já tinha advertido os leitores do Evangelho: «Depois de ter esgotado toda a tentação, o diabo afastou-se dele até ao tempo oportuno». E ei-lo, pontual, a reaparecer na hora extrema



É uma cena cruel, repleta de violência e horror, e todavia o povo, aquele povo que tinha seguido Jesus, que o tinha aclamado, que poucos dias antes estava suspenso pelos seus lábios enquanto ensinava no templo, esse povo agora «está a ver». Deixou de estar do lado de Jesus, deixou de o seguir, não o defende: mostra-se desiludido pelo resultado da sua vida, incapaz de compreender o que se está a consumar. Lucas recorda que, após a morte de Jesus, «toda a multidão que tinha vindo ver este espetáculo, refletindo em quanto tinha acontecido, regressava batendo-se no peito», isto é, iniciando um caminho de conversão; mas por agora, não: Jesus morre verdadeiramente abandonado por todos, só, porque os discípulos fugiram e o auditório que primeiro o aplaudia está mudo e deixou de estar do seu lado. Tinham esperado um Messias vitorioso, poderoso, um verdadeiro Rei, mais forte que os reis deste mundo, e em vez disso viram alguém que nem sequer é capaz de se salvar...

Observando o povo e os carrascos do alto da cruz, Jesus pode apenas afirmar: «Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem», mas nem sequer esta palavra o torna compreensível ao povo. E precisamente naquela solidão, naquele abandono, eis que reaparece a tentação, como no início da sua missão, quando tinha permanecido no deserto. Lucas já tinha advertido os leitores do Evangelho: «Depois de ter esgotado toda a tentação, o diabo afastou-se dele até ao tempo oportuno». E ei-lo, pontual, a reaparecer na hora extrema. No deserto a tentação incidia sobre a capacidade de Jesus provar que era Filho de Deus através de sinais retumbantes, não na possibilidade de um humano mas no poder divino; o mesmo acontece agora.



Jesus tinha iniciado o seu mistério colocando-se numa fila de pecadores para ir ter com João, o Batista, para pedir o Batismo, durante toda a vida esteve entre os pecadores e agora morre entre pecadores. Também aqui Jesus permanece aquilo que sempre foi: «Um amigo dos pecadores»



O primeiro instrumento demoníaco são os chefes religiosos, aqueles sacerdotes presentes na cruz porque tinham pedido aos romanos a condenação à morte de Jesus. De verdadeiros peritos das Escrituras, proclamam com precisão teológica: «Salvou outros! Salve-se a si próprio, se é Ele o Messias de Deus, o Eleito!». Se Jesus é o Ungido do Senhor, o Filho de David, o Rei de Jerusalém, o Eleito enviado por Deus, salve antes de tudo a si mesmo, mostre o seu poder libertando-se do suplício que o conduz à morte. Mas Jesus permanece na cruz: escuta e cala, deixa-se acusar de impotência, não se defende, não cede a comportamentos fruto da inimizade. Até ao fim vive na lógica de amor de Deus, um Deus que tem um amor misericordioso inclusive para com os seus inimigos; dessa forma, simultaneamente ao ódio que recebe deles, continua a amá-los.

A segunda tentação é expressa pelo poder político e militar dos soldados pagãos que o matam. Riem-se dele dando-lhe a beber vinagre, Ele que tem a garganta sedenta, ardente, e na sua ótica política ridicularizam-no assim: «Se Tu és o Rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!». Um rei que não é capaz de se salvar a si próprio, como poderá salvar os outros. Como pode um rei tão impotente opor-se a César e insidiar o seu poder? Não, Ele apenas merece desprezo! E contudo Jesus é Rei, como proclama a inscrição posta sobre a cruz, acima da sua cabeça; inscrição que na intenção dos seus autores quereria ser escarnecedora, causa de comiseração, e em vez disso diz uma verdade bem diferente, para quem a sabe ver... Jesus é verdadeiramente o Ungido do Senhor, o Messias prometido por Deus a Israel, mas esta realeza é surpreendente, porque não é modelada sobre a dos reis deste mundo, onde os governantes oprimem, comandam e fazem-se aplaudir como autores do bem comum. A realeza de Jesus, ao invés, é outra e está no espaço do amor: quem ama reina, quem ama até ao fim é verdadeiro rei! Jesus acolhe em silêncio também esta segunda tentação, como se continuasse a repetir: «Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem»...



Salvar um outro não é preservá-lo da morte mas tornar a sua morte uma passagem, um êxodo para a vida eterna, para o Reino! Jesus não nos salva agora como nós queremos, mas salva-nos se nós, que não somos nunca nem justos nem bons, soubermos acolher o perdão que Deus nos oferece



A terceira tentação chega-lhe de quem é solidário com Ele no suplício, na tortura e na morte, um dos "companheiros" de Jesus, um dos dois bandidos condenados juntamente com Ele. Jesus tinha iniciado o seu mistério colocando-se numa fila de pecadores para ir ter com João, o Batista, para pedir o Batismo, durante toda a vida esteve entre os pecadores e agora morre entre pecadores. Também aqui Jesus permanece aquilo que sempre foi: «Um amigo dos pecadores». Um dos dois crucificados com Ele, por isso, diz-lhe: «Não és Tu o Messias? Salva-te a ti mesmo e a nós!». É um grito de desespero: «Salva-nos também a nós porque, se és o Messias enviado por Deus, podes fazê-lo!». Mas Jesus cala-se, compreendendo-o no seu protesto e no seu desafio. É o outro condenado que intervém, observando: «Não tens nenhum temor de Deus, tu que foste condenado à mesma pena? Nós, justamente, porque recebemos aquilo que merecemos pelas nossas ações; Ele, pelo contrário, nada fez de mal».

Digamos a verdade: fizemos do primeiro «o mau ladrão» e do segundo «o bom ladrão», mas na realidade eram ambos malfeitores, homicidas segundo os outros Evangelhos. Portanto são ambos maus, e se há uma diferença deve ser procurada apenas no facto de que o segundo lhe faz esta invocação confidente: «Jesus, recorda-te de mim quando chegares ao teu Reino», ou seja, pede a Jesus para ser salvo não aqui, porque a Jesus isso não é possível, mas quando chegar ao seu Reino; dessa forma, nem sequer ser salvo, mas ser recordado, o que já seria muito... Jesus pode talvez recusar-se a salvar o primeiro ladrão que lhe pede «salva-nos também a nós»? Ele, na verdade, pode mostrar o seu poder apenas salvando, mas não fazendo-o descer da cruz, antes não o abandonando na hora da vinda do seu Reino.

Salvar um outro não é preservá-lo da morte mas tornar a sua morte uma passagem, um êxodo para a vida eterna, para o Reino! Jesus não nos salva agora como nós queremos, mas salva-nos se nós, que não somos nunca nem justos nem bons, soubermos acolher o perdão que Deus nos oferece, que Jesus nos oferece. Ambos os malfeitores compreenderam que serem bons e justos é segundo a vontade de Deus mas que, se isso não aconteceu na própria vida, o que conta no fim é acolher o seu perdão, dizendo simplesmente: «Jesus, recorda-te de mim quando chegares ao teu Reino».



 

Enzo Bianchi
In "Monastero di Bose"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 18.11.2016

 

 
Relacionados
Destaque
Pastoral da Cultura
Vemos, ouvimos e lemos
Perspetivas
Papa Francisco
Teologia e beleza
Impressão digital
Pedras angulares
Paisagens
Umbrais
Mais Cultura
Vídeos