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Leitura

A bibliotecária de Auschwitz

Oito livros, apenas, fizeram aquela que terá sido, talvez, a mais pequena biblioteca infantil do mundo. Existiu num local insuspeito, de forma clandestina, e serviu de janela aberta ao mundo para um grupo de crianças.

A história, contada primeiro num livro do escritor argentino Alberto Manguel, suscitou a curiosidade do espanhol Antonio Iturbe, que escreveu "A bibliotecária de Auschwitz", editado em Portugal pela "Planeta".

«Alberto Manguel é um dos especialistas mundiais na história da leitura, e eu gosto muito de ler os seus livros. Não sou especialista no Holocausto ou na II Guerra Mundial. Chego ao tema de Auschwitz não pelo lado do Holocausto ou do nazismo, mas sim pelos seus livros», explicou o autor à Renascença.

«Em "A biblioteca à noite", Manguel fala das grandes bibliotecas da história, e comenta - o que me surpreendeu muito - que também em Auschwitz havia oito livros num barracão. Poderíamos dizer que era a mais pequena biblioteca pública do mundo», disse o jornalista ao referir-se ao campo de concentração polaco.

Este foi o ponto de partida para a investigação de Iturbe: «Fiquei com a curiosidade de saber como é que isso tinha sido possível, que livros tinham, como é que lá chegaram, e o que fazia uma biblioteca no local mais horrendo da história».

À medida que escrevia, Iturbe deu-se conta de que o seu projeto inicial tinha de ser alterado: «Ao princípio tinha muito pudor em misturar os acontecimentos com a ficção. A minha primeira ideia foi fazer um livro de ensaio, mas a verdade é que estava a sair uma coisa muito fria, muito distante, com alguns factos, números, dados da documentação».

«No final, apercebi-me de que o jornalista precisa também de certas ferramentas para contar a verdade. Acredito que uma notícia bem contada não é apenas uma soma de acontecimentos. Uma notícia bem contada são os acontecimentos mais o olhar do jornalista que os conta, contextualiza, explica a sua importância e diz-te o porquê das coisas. Isso não vem nos dados. Só o olhar te pode dar», assinalou.

«Acabei por decidir que para que esta história tivesse realmente a força que merecia, e para que as pessoas ficassem a pensar nela, precisava que as ferramentas da ficção me permitissem amassar os dados históricos, para conseguir uma verdade que vai mais longe do que apenas os dados frios e distantes», apontou Iturbe.

As obras escondidas no barracão 31 foram como que a liberdade, ainda que condicional, do campo de concentração: «Nesse lugar horrível, onde quando olhas para fora apenas vês chaminés que deitam as cinzas das pessoas queimadas, vês lama, gente armada e cães a ladrar, de repente entras num barracão, abres um livro, e esse livro leva-te para as pirâmides do Egito, para a Revolução Francesa ou para a conquista da América».

«O livro acaba por ser uma janela, uma espécie de passaporte, de helicóptero que te tira dali por um instante», salientou o autor: «Os livros não podem mudar a realidade atroz ou transformá-la de forma mágica. Mas, no mínimo, podem permitir um momento de pausa. É como se a escrita fosse um parêntesis para que a vida não nos caia em cima».

O poder da literatura é mais forte do que o autoritarismo: «Cada vez que entra um ditador pela porta, os livros saem pela janela. É o que fazem todas as ditaduras, sejam de que género forem, religiosas, militares, comunistas, de extrema direita. Não têm nada a ver umas com as outras, mas todas estão de acordo quanto à censura, proibição e até queima de livros. É por isso que penso que temos de estar ao lado dos livros. Se eles incomodam os ditadores, eu estou ao lado dos livros».

Antonio Iturbe conheceu pessoalmente Dita Dorachova, a guardiã da pequena biblioteca: «Não quis perguntar-lhe por certas coisas, porque acho que há coisas com as quais não nos devemos meter, entrar em certos recantos de dor. Dei-me conta de que, por vezes, estava com um olhar perdido, ficava calada, com os pensamentos às voltas. Percebi que essas memórias estavam lá, tantos anos depois continuam presentes».

«Quando falámos de temas como a vingança, disse-me que não a sente, mas não esquece o que aconteceu, não pode esquecer. Tinha 70 anos, mas essa opressão e a perda dos seus pais são coisas que lhe ficaram gravadas para sempre», disse.

O autor, que há 20 anos se dedica ao jornalismo cultural e que escreve atualmente numa revista de livros, lembra que eles são uma espécie de caixas de memórias.

«Os livros são como pacotes de recordações que ficam. Esperamos que quando desaparecerem os sobreviventes do Holocausto, não nos falte uma memória, e uma única memória possível será a das histórias relatadas, dos testemunhos e dos livros. A mim parecia-me que a história destes oito livros reunidos nesta pequena escola, num barracão, merecia ser conservada, para que o esquecimento não a levasse», concluiu.

Estas e outras propostas foram sugeridas no programa “Ensaio geral”, da jornalista Maria João Costa (25/1/2014), que a Renascença transmite às sextas-feiras às 23h30, e que pode ser ouvido na íntegra na internet.

 

Maria João Costa | Com SNPC
In Renascença
28.01.14

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