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A Cova da Teresa

Foi aos pastorinhos que a Virgem falou… num dia de maio de 1917, em que desceu à serra d’Aire em plena Cova da Iria.

Cantamos assim de cada vez que nos acolhemos e recolhemos em Fátima. Com maior ou menor sensibilidade, quando este canto é entoado na noite, iluminada por um mar de luz, feito de pequenas luzes, as emoções ficam ao rubro fazendo estremecer a alma.

Era uma senhora mais brilhante do que o sol, diziam os videntes. E também diziam que por lá apareceu um anjo, que lhes deu comunhão e os ensinou a rezar orações, e, numa ocasião, até viram o inferno.

Seja como for, desde então milhões de pessoas, de todo o planeta, por lá passam, com maior ou menor fervor, não já para terem uma visão da Senhora (e muito menos do inferno, naturalmente), mas para orar, descansar, para pagar promessas ou pedir milagres.

Porém, quem vive naquelas paragens, homens e mulheres, jovens e idosos, muitos deles e delas conhecem outras covas por onde a Iria não andou, com certeza. Muitos habitantes mostram certa indiferença e ceticismo perante o que por ali se passa, a não ser a oportunidade de tirar algum proveito fazendo alguns trocos.

Continua a haver por lá rebanhos de ovelhas e guardadores/as dos mesmos, fazendo dessa atividade o seu ganha-pão. Mal o sol começa a raiar, suavemente rasgando espaço por entre a folhagem das azinheiras e das oliveiras, na aldeola abrem-se as portas dos currais, e de lá saem as pachorrentas ovelhas, atropelando-se umas às outras, enlouquecidas pela ávida procura da erva mais gostosa. E lá vão, saltando veredas e rochedos, desvairadas para usufruir da liberdade.

Mas a vida de pastor é rica em solidões desabitadas... Como diz o cante alentejano, tenho uma cova no peito…de me encostar ao cajado,esabe-se lá o que vai naquelas "cabecinhas pensadoras".Quando se é novo, dá para pular os muros atrás das ovelhas quando estas transgridem as demarcações das courelas.

Estes pastores não veem anjos, não rezam o terço, não veem a Senhora... mas alguns deles, não vendo o inferno, ironicamente, vivem nele.

Mesmo nas barbas do santuário, há quem aproveite a solidão do lugar para dar largas à imaginação e às suas fantasias mais perversas. Sem medir os meios, tudo serve para atingir o fim, ou seja, a satisfação das suas paixões. Usam e abusam das suas presas, dando rédea solta aos seus devaneios. Não olham a idade, os laços familiares, os gritos de socorro, o inapropriado do lugar. No meio da luta, o agressor, com a sua presa encostada a uma azinheira, tapa-lhe a boca, e, em tom ameaçador, diz: «Escuta o sino e cala-te». São os estragos da solidão desabitada que produz frutos amargos, embora apetecíveis!

Neste inferno real (não o da visão), a Teresa suportou, anos a fio, o inferno mais vergonhoso às mãos de quem tinha a obrigação e a responsabilidade de a cuidar e proteger. Onde ficou a Responsabilidade Parental ou o que, até há bem pouco tempo, se designava como poder paternal?

Há dias, na sala de audiências, escutando declarações para memória futura, o juiz, atónito, exclamou: «E tudo isto aconteceu naquele lugar sagrado!» 

Na verdade, a Cova da Teresa (que também é/foi a da Iria), tornou-se numa via sacra de dor e de humilhação, de violência e de ultraje. Todos sabemos que “sagrado é o ser humano"; sagrada é a vida inocente, mesmo que vilipendiada; sagrada é a liberdade de poder fazer escolhas contra a exploração de quem que seja.

Quando vemos, ouvimos e lemos sobre a exploração infantil (laboral e sexual) algures em países asiáticos, respiramos fundo e ficamos com a consciência pacificada, pois a distância geográfica põe-nos essa triste realidade - loin des yeus, loin du coeur.

Cada vez mais precisamos de estar atentos e não nos deixarmos distrair com as peregrinações que nos alheiam da terra que pisamos e nos impedem escutar o clamor das vítimas, nos lugares e nos meios mais insuspeitos. 

«A glória de Deus é o Homem vivo.» Mais do que isso, nada mais é relevante. Sendo já recorrente e inevitável referir nos dias de hoje, rejubilamos com a audácia e a firmeza com que o Papa Francisco alerta, constantemente, para a inalienável Dignidade da Pessoa Humana.

«Eu vim para que tenham Vida… e a tenham em abundância.»

 

Ir. Maria Júlia Bacelar, adoradora
© SNPC | 16.06.14

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