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Testemunho

António Tabucchi: tudo o aproximou de Portugal

Conheci António Tabucchi no final da década de oitenta e encontrei-o sempre como um apaixonado da língua e da cultura portuguesas, nunca relativamente a uma visão idílica ou a qualquer ilusão, mas sempre a partir de uma análise de aguda crítica. O seu espírito era inquieto, inconformista, sempre crítico, e por isso era uma companhia sempre positiva, de quem desejava olhar o horizonte, procurando perscrutar o inesperado, nunca disposto a aceitar o vulgar e o lugar-comum.

Não esqueço um final da manhã no Aeroporto de Lisboa quando fomos esperar Umberto Eco, vindo para proferir uma das conferências do «Balanço do Século», organizada por Fernando Gil, sob a égide de Presidente Mário Soares. Fomos ambos testemunhas da irritação do escritor de «O Nome da Rosa» quando os jornalistas lhe perguntaram banalidades ou demonstraram total ignorância sobre a sua obra. Tabucchi concordou, serenamente, apaziguando a reação iracunda do romancista. Para quem o conhecia, o certo é que no seu carácter, oscilava entre a impecável capacidade de desempenhar funções diplomáticas e de exercer o seu direito à indignação em momentos em que não se eximia ao direito inalienável de não calar o seu sentido crítico.

No Instituto Italiano em Lisboa, foi dos grandes artífices do reforço da relação cultural entre os nossos dois países. Por momentos essa casa, de tantas tradições, tornou-se um lugar ainda mais aprazível e próximo. Afinal, António Tabucchi era sempre, e a um tempo, italiano e português, um elo natural de uma latinidade viva. E era com um especial gosto (ele não nos deixaria falar de orgulho) que o líamos na imprensa italiana e na comunicação europeia – a exprimir a sua opinião crítica, sem pejo, sem desejar proteger-se em qualquer limbo ou em qualquer torre de marfim.

Foi, de facto, um europeu ativo e empenhado, preocupado com o afastamento dos cidadãos relativamente às causas comuns. Dizer que era um homem de liberdade até às últimas consequências é uma elementar verdade. Mas só pode perceber-se se virmos que nunca baixou os braços, afirmando o que entendia ser o combate da justiça e da verdade. Em «Afirma Pereira» sentimos, num tema português que os italianos conheceram bem, a tensão entre um país acomodado e complacente quanto à autoridade e à segurança. Mastroianni personifica um homem envelhecido e quase indiferente. Mas há um momento em que nasce a necessidade da denúncia e da afirmação. Trata-se de tentar compreender (e recusar) a ilusão de que são venturosos os que não têm de escolher, uma vez que sem escolha não há possibilidade de ser e de aspirar à emancipação.

Tabucchi descobriu Portugal, um dia na Gare de Lyon, em Paris, através de uma tradução de Pierre Hourcade, de Álvaro de Campos. Depois, tudo o aproximou de Portugal: a literatura, a família, as cidades, as letras e as artes. A sua aldeia foi a Rua do Monte Olivete, num lugar de tantas recordações literárias – Ruben A., Alexandre O’Neill… E o certo é que a sua obra é um acervo fantástico de um europeu autêntico, cosmopolita, sedento de encontros e diálogos. É a ilustração magnífica de uma cultura portuguesa aberta, disponível, desassossegada, plural. E é esse pluralismo que faz de António Tabucchi um discípulo de Caeiro e de Campos, e um seguidor incansável dos passos de Ricardo Reis, de Bernardo Soares e de Fernando Pessoa. Mas, é um discípulo verdadeiro, não um mero seguidor. Ele soube sempre reler e reinterpretar, tendo uma vida própria extraordinária. Tempo virá em que a cultura portuguesa aberta e plural se referirá a um grande amigo, a um escritor de primeiríssima água – que praticou um futuro de vitalidade e de surpresa, de incerteza e de criatividade.

Há dias, ouvi na Antena 2 um diálogo que me trouxe alegria e saudade. Graça Morais e António falavam das suas artes e eu tive o impulso natural de eternizar esse encontro, como sinal desta cultura que tanto amamos, e com a qual somos, e bem, tão exigentes!

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Presidente do Centro Nacional de Cultura
In Centro Nacional de Cultura (blogue)
30.03.12

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