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Ao ritmo das Horas: Em visita a um mosteiro cisterciense
Mais do que a «fuga do mundo», o ambiente que se respira no Mosteiro Cisterciense de Santa Maria do Sobrado, na Galiza, é talvez o de um «velar-se do mundo». De facto, entre monges há a perfeita consciência, por exemplo, dos gravíssimos problemas de desemprego que se vivem em Portugal, como em Espanha, e isto não apenas pelas notícias, como pelo testemunho de quem por aqui passa.
«Velar-se do mundo», pelos lugares de clausura e pelas horas de silêncio, significa a consciência de que o mais importante e essencial da vida acontece no silêncio e na clausura, num mundo onde predomina o mediático, onde só é o que é visto e mostrado, onde até a celebração do Lava-Pés acontece com câmaras de filmar, de fotografar e de registar. Os monges não se mostram, não fazem questão de mostrar o que fazem, nem gostam de falar de si: por isso o mundo (inclusive o mundo dos cristãos) muitas vezes não os compreende.
E eles aí estão: gostam de conversar, e conversam com quem os visita, mas não encharcam os ouvidos de quem os escuta; preferem até ser eles a escutar (e quanto poderíamos aprender com esta sabedoria, mesmo no âmbito da chamada «nova evangelização»). Os monges não têm «atividades» ou «programas» planeados para quem os visita, além de proporcionarem o silêncio, a beleza natural do espaço em que vivem e do qual cuidam, e os seus próprios momentos de oração – nos quais convidam todos a participar, mas sempre na condição de «cada um participar do modo que lhe parecer mais útil». A quem os procura, parece que insistem sobretudo na metodologia que eles próprios procuram viver: que cada pessoa tem dentro de si o caminho mais importante, e a voz mais necessária, «voz de um fino silêncio»; só precisa de a procurar, através das ferramentas do silêncio, da leitura, da escuta do outro, e dos ritmos quotidianos.
Rui Pedro Vasconcelos
O seu ritmo diário de vida é bem menos rígido e exigente do que qualquer horário de trabalho numa moderna empresa – porque, nesta, os horários quase sempre não são respeitados, inundando as horas do dia-a-dia de um stress esgotante, de comunicações e estímulos permanentes. O monge, pelo contrário, sabe quando deve trabalhar, quando deve descansar, e quando deve escutar.
Vemo-los com o seu hábito nos momentos litúrgicos; mas, depois, quando recebem os peregrinos a caminho de Santiago de Compostela, quando vão à vila abastecer-se do que precisam e cumprimentar os vizinhos, ou quando estão na cozinha, a sua roupa é a mais comum possível. É também com essa roupa que recebem os familiares e amigos que os visitam, abraçando-os e beijando-os.
Por fim, a caridade que vivem é talvez uma das mais difíceis e exigentes: oferecer a todos, quem quer que seja, um espaço de acolhimento, onde cada um pode ser quem é, e onde lhe são oferecidos «os instrumentos de fogo, de respiração, e o instrumento difícil do silêncio» (Daniel Faria). Como é vincado pelos monges, o mosteiro não tem uma casa de retiros mas sim uma hospedaria: aqui cada um é hóspede, quer seja crente ou não-crente.
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A sua liturgia é simples e sóbria: centrada no essencial, no mistério de Jesus, o Filho, que se faz presente no seu Corpo. É nesta liturgia, em que cada batizado se sente parte de um Louvor, que melhor se revela a Igreja, melhor até do que em qualquer ajuntamento de multidões. E é neste Louvor que se revela uma Graça, capaz de transformar e perdoar.
Em Sobrado dos Monxes, na Galiza, onde vive o português Carlos Maria Antunes, encontramos uma marca indelével, num mundo cada vez mais em corrida permanente, não se sabe bem para onde. Tal como nós próprios.
Texto: Rui Pedro Vasconcelos
In Livraria Fundamentos
15.05.14








