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Em 2013 vamos redescobrir os valores, as relações pessoais e a poesia

1. Num mundo de tangíveis, que agora nos escasseiam com a fluidez a que estávamos habituados, e de direitos esforçadamente adquiridos, que agora nos falham e nos empobrecem, o que emerge de mais nítido para o futuro próximo é repararmos e cuidarmos do intangível.

2. Os intangíveis, como os bens relacionais, culturais e de memória histórica, a evolução pessoal, a construção de vidas com sentido, ganham uma força há muito esquecida, cada vez mais envolta numa urgente necessidade de repensar os valores - porque a corrupção e a especulação, desenfreadas e absurdas, em busca de riqueza material, nos mostraram a maior pobreza humana: a da ética relacional. Passaremos lenta, mas determinadamente - de um tempo de austeridade para um de honestidade e integridade; de uma época de impunidade, para uma de respeito reverente pelo outro e as suas circunstâncias; de uma metáfora relacional e institucional de verticalidade e árvore, para uma de rizoma - igualdade de poderes, justiça na partilha de recursos e bens, espaço para ouvir vozes tradicionalmente silenciadas, relações com sentido, verdadeiro interesse pelo bem comum.

3. Estaremos cada vez menos interessados em ser conhecidos pelo supérfluo e ignorados na verdadeira substância do ser. As aspirações passarão a ser mais profundas, relacionais e coletivas, e menos de acrítica e excedente riqueza e fama individuais. Cada vez nos interessará mais a ética dos meios em vez de uma duvidosa ética da produtividade e dos fins.

4. Será o momento de muitas pessoas deixarem o seu derrotismo, resignação e paralisia, e decidirem intervir na história. Voltaremos, como no pós-guerra, a gerações céticas, mas de um ceticismo não-fundamentalista, já que acreditarão que o futuro não pode ser a repetição do passado, e que há muito a inventar. Que se indignarão e comprometerão, como propõe brilhantemente Stéphane Hessel. Vão surgir mais projetos de boa cidadania e de promoção de uma consciência crítica, no sentido de Jürgen Habermas da transformação estrutural da esfera pública e da solidariedade anamnésica. Ouvir-se-ão mais vozes dissidentes e alternativas, de denúncia fundamentada, juntas e menos divididas por vazios ideais políticos, expondo a fragilidade dos erros vividos e a esperança incluída nas glórias. Vão emergir ou tornar-se conhecidos modelos económicos inovadores, como a economia da comunhão, as lojas livres, gente que experimenta viver sem dinheiro e alternativas existenciais sustentáveis e harmoniosas face a um planeta consumido e em urgente resgate.

5. Reconstruiremos a linguagem, com mais cuidado com as palavras e mais gramáticas transgressoras, conscientes de que a linguagem que usamos constrói as nossas realidades.

6. Estudar-se-ão cientificamente mais temas como deslumbramento, virtudes e inspiração humana (ou o que nos faz querer ser melhores pessoas), soft powers, generosidade, sentido de humor, felicidade pública... que não serão verdades inacabadas, mas serão alvo de discussão aberta, numa consciência inclusiva e dinâmica.

7. Nas ciências sociais e humanas, que tão forçadamente têm procurado emular as ciências físicas, reaparecerá a ideia de que não há conhecimento neutro do ponto de vista valorativo. Falaremos mais abertamente, sem receios, de uma ciência realmente útil e perfilaremos conjuntamente valores a ela associados. Não seremos serventes nem fanáticos reverentes de formas monolíticas de pensar, publicar, investigar, ensinar, trabalhar, e responderemos com mais clareza a questões como "o que é uma vida que vale a pena ser vivida?".

Acredito por isso, cada dia mais, que há vontade de mudanças nos códigos morais. E como professora e investigadora, abono que a universidade, se vier a conseguir afastar-se de alguns dos poderes rígidos instituídos, e chegar com a ciência mais perto das artes e de uma autêntica cultura, possa ser verdadeiramente a consciência crítica e política da sociedade, encaminhando-nos de um mundo meramente produtivo a um recriador de justiças, igualdades e ética. Não mais fará sentido a subserviência a ditaduras de nenhum tipo: de audiências, económicas, políticas. Idealizo e creio que por aí poderemos, não como Julio Cortázar sugeria, reinventar a geografia do Inferno e suas premonições apocalípticas, mas sim mapear e esculpir a geografia das geometrias morais. Assim o defendo porque é isso que os meus filhos e alunos me ensinam, às vezes dolorosamente, todos os dias: os valores hoje revolucionários do bem, do belo e do bom. E isso para mim recria-se num presente, fruto de um passado que vivi e experimento neste Portugal. Como José Saramago, digo que "gosto do que este país fez de mim" e - que me perdoe Theodor Adorno quando defendia que era bárbaro haver poesia depois de Auschwitz - confio e espero que possa e deva haver poesia, muita poesia, profunda e mágica, depois da troika.

 

Helena Marujo
Docente no ISCSP-UTL, coordenadora do mestrado executivo em Psicologia Positiva Aplicada
In Público, 8.1.2013
08.01.13

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ImagemRob Frankle / Images.com/Corbis

 

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