O Estado não é pessoa de bem
Resisti o mais que pude, em tempos do autoritarismo do Estado Novo, à negação ou violação de direitos fundamentais, em particular na defesa e consolidação das liberdades de informação e de opinião. Fi-lo por imperativos de consciência e valendo-me da formação ética que devo a tantos mestres que encontrei em casa ou na escola. Ainda hoje estou grato a quem me ajudou no desenvolvimento da minha personalidade, na conquista da autonomia moral e no uso responsável da liberdade.
Sonhei com a conquista e a consolidação da democracia na sociedade portuguesa, vencida a tentação de nos julgarmos “orgulhosamente sós”. Visionei essa possibilidade no contexto da integração europeia, sem perda da nossa identidade nacional e sem termos de recusar a universalidade que tanto nos marca histórica e culturalmente.
Hoje, com o peso dos enganos e dos desenganos, não me julgo vencido - a esperança é a última a morrer… -, mas desiludido com os rumos da sociedade portuguesa.
Nunca tive ambição de poder algum. Sempre me quis, por ser padre católico e jornalista, equidistante e livre dos poderes, quaisquer que fossem ou sejam. Nada disso diminuiu, nem diminui, o meu compromisso social e político. Jamais me considerei cidadão de segunda em questões cívicas e políticas, embora recuse o seguidismo de qualquer particularismo partidário. Os partidos não são a minha praia.
Continuo a fazer da justiça o meu critério orientador da ética social, com o objetivo de ousar contribuir para a defesa e a promoção da dignidade de cada português e para o bem comum de todos os portugueses; cada um em desenvolvimento integral e todos em desenvolvimento solidário.
Hoje estamos a amargar e muito uma tristeza de vida em que alguns direitos fundamentais, sobretudo os direitos sociais, se estão afirmados em boa teoria, na prática são desrespeitados e incumpridos.
Dá pena que a prática da política não se prestigie a nível de todos os membros da sociedade – quem quiser manter as mãos limpas é porque não tem mãos -, com especiais responsabilidades para a classe governante, a nível dos órgãos de soberania, para os partidos políticos, indispensáveis para a consolidação da democracia, e para a opinião pública e publicada.
Já quase não sabemos de onde e como sopram os ventos da crise por que estamos a passar e que já tanto nos cansa, mas o ar está viciado pela falta de ética na política e na economia, uma e outra a precisar de humanização.
Cito duas questões graves: perdemos a dignidade e o valor do trabalho, negando-o aos desempregados em números assustadores; deixamos de ser refratários aos impostos, mas não terá valido a pena se, agora, impõem a diminuição das contrapartidas das reformas a que os contribuintes cumpridores têm direito.
O Estado não é pessoa de bem!
Cón. Rui Osório
In Voz Portucalense, 8.5.2013
09.05.13