A Inês e eu fomos dos últimos a chegar à igreja, a missa tinha começado há pouco e lá nos acomodamos como pudemos. A empresa não era fácil… Dia de festa, santa padroeira, sermão com pregador convidado, opas e panos finos por todos os lados, a coisa prometia… depois de uma procissão debaixo de um calor de derreter pedras, os meus olhos e o meu espanto pararam a olhar para o ar sisudo das minhas vizinhas de fortuna, também elas acomodadas no mesmo canto que partilhávamos, mas enroupadas em xailes e atavios mais próprios de um dia de neve do que de festa rija na aldeia a tocar os 40 graus.
Mas quem sou eu para julgar o calor dos outros e muito menos as caras sérias de gente que vai à missa como se fosse a missa de 7º dia por alma de Nosso Senhor Jesus Cristo! Cada um sabe de si e Deus sabe de todos... pronto!
A celebração continuava na lentidão que a circunstância impunha e que a circunspecção da assistência exigia. Tudo perfeito... ou quase...
Saturada da homilia tipo peixe-espada (chata e comprimida) daquelas que não terminam nunca e que não dava sinais de chegar ao fim tão cedo, a minha companheira dispara à queima-roupa do alto dos seus 13 anos:
- Sabes, não tenho fé!
Não sei se motivada pelo conteúdo da homilia, - para dizer a verdade não consegui descortinar o tema -, ou simplesmente para ocupar um tempo que se arrastava por demais entediante e para meter conversa, a Inês insistiu: “Não tenho fé!”
Parou tudo!
Os olhares das minhas vizinhas de canto fulminaram-nos. Por momentos, os buços farfalhudos que iam subindo e descendo ao ritmo das avé-marias sussurradas, pararam o seu furor de máquina de costura.
Foi a minha vez de dizer em resposta:
- Olha que eu também não!
Foi o fim do mundo!
- Não é que haviam de vir para aqui estes incréus!?
Assim, de repente, até a santa padroeira pareceu tremer no andor e abanou mais ainda as notas que as mãos piedosas tinham pendurado no manto e no vestido durante a procissão!
Não se pode dizer que fosse nenhuma fortuna, mas os tempos estão maus até para os santos...
Quanto a Nosso Senhor, lá do alto da cruz sem atavios nem panos finos, pareceu-me que sorriu se calhar ao ver quanto os buços desarvoravam agora num desfiar de rezas pela conversão do ateu.
A função seguia o seu curso. O coro entre o desafinado e o esganiçado lá se esforçava por entoar o refrão do ofertório “...mas sei que nada valho!” Nada mais a propósito.
- Sabes, Inês, acho que ninguém devia dizer que tem ou não tem fé. A fé não é uma coisa que se “tenha”. Já experimentaste agarrar a água?
- Agarrar a água?
- Sim, meter a mão na água e agarrar. Consegues agarrar alguma coisa?
- Não!
- Pois é, a fé é assim como a água. Não se pode agarrar, não se pode “ter”. Só se pode sentir. Sentes a água quando entras em relação com ela. Sentes a fé quando entras em relação contigo, depois com os outros e depois com Deus. Percebes?
Acho que a Inês percebeu. Nesse dia em Roma era canonizada também uma “santa sem fé”. Chamou-se Teresa, nem sempre ou quase nunca teve certezas de fé, mas nunca deixou de acreditar. Que os buços descansem em paz!
Um beijo, Inês!
Um beijo, Teresa!
Fr. Fernando Ventura, OFMCap