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A Fé vê-se na prática da justiça e do bem

(...) Muitos andam a ouvir a palavra de Deus há tantos anos... Tantos a ouviram no tempo de Cristo e tão poucos foram tocados, apanhados vitalmente pelo mesmo Cristo. Os que voltam atrás, depois de o ouvirem, os que nunca se vão, os que são capazes de aceitar a marcha dolorosa do continuar a ser com Ele e por Ele, esses entenderam que a Fé é mais do que a aceitação intelectual de verdades apanhadas na linha de inteligência, é mais do que um esforço da linha vontade, ou é mais do que um deixar-se deslumbrar pela sensibilidade. É, acima de tudo, ser tocado de amizade profunda e de confiança absoluta. É descobrir naquele homem alguém que dá sentido à própria vida. E isso foi um estrangeiro que descobriu. É impressionante que Cristo três vezes diz no Evangelho: «Nunca vi Fé semelhante a esta em Israel».

Foi sempre nos pagãos e nos estrangeiros que Ele encontrou esta pureza, esta claridade de Fé. E reparai na Fé deste homem: andam os teólogos para aí a discutir se ela era implícita ou explícita, nem ele sabe, mas Cristo diz-lhe: «A tua Fé te salvou. Vai em paz». Ele era um pagão. Ele veio ter com aquele que lhe diziam que era de Deus, e apostou em tudo o que Ele lhe disse. Mandaram-no aos sacerdotes e ele ia para lá, e no caminho sentiu-se limpo, como Naaman se sentiu limpo ao banhar-se nas águas de Jordão. E voltou para trás, ainda antes de chegar aos sacerdotes, a encontrar aquele que o tinha mandado e a perguntar-lhe: «Porquê?». E a Fé salvou-o. E ele ficou de facto apanhado radical e interiormente. Então a Fé deixou de ser uma mera aceitação e começou a ser um compromisso intenso, verdadeiro.

Onde estão os outros? Não eram dez? Perguntemos honestamente a quem está aqui: onde estão os milhões de batizados que a Igreja fez? Onde estão as toneladas de primeiras comunhões? Onde estão, as miríades de retiros, cursos, peregrinações e pregações? Onde estão os que voltaram disso? Onde estão os que têm o seu corpo capaz de aceitar as marcas das chagas e da ressurreição de Cristo? Onde estão?

A Fé não é um ato passivo, nem apenas um dom de Deus. A Fé é a aceitação misteriosa duma vida que permanentemente cresce em união com Cristo, ao serviço dos homens. A Fé vê-se! Não andamos nós, irmãos, a perder tempo em tertúlias religiosas, em entretenimentos espirituais inofensivos e que não chegam a ser sinal para ninguém? Perguntava aqui na quarta-feira passada um padre, Professor da Universidade Gregoriana de Roma, se a Igreja não tem sido em certo aspeto como que uma fábrica de sucursais de Coca-Cola. Eu explico: a Igreja tem uma doutrina, tem os sacramentos, e vai abrindo sucursais; e depois nas sucursais põe um funcionário, que é o sacerdote, que faz propaganda e que distribui, não digo a Coca-Cola, mas os sacramentos. E assim se vão multiplicando por aí as agências; e as pessoas veem e andam entretidas, e depois escandalizam o próximo com tantas comunhões sem nenhuma vida, com tantas pregações e retiros sem nenhum comprometimento concreto, com tantas coisas feitas em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e com tanto paganismo em tudo o que somos e temos.

Disseram os padres americanos no Sínodo que esta era a hora da verdade, e que os homens já não aceitavam meias verdades, nem simulações, nem fintas. É a hora da verdade. A Igreja tem que se deixar de andar a empatar padres e tantos leigos em meras pregações e retiros, em meros cultos. Que será isto se lá fora não for qualquer coisa que vá daqui? A Igreja tem que dar sinal. Nós temos que explicar lá fora por que é que estamos aqui. Ou os homens entendem que nós vimos por aquilo que fazemos lá fora, ou é melhor que não venhamos aqui. Desculpai que eu continue a dizer dominicalmente o mesmo. Não é por vos não amar. É até porque não vos quero iludir. Porque não é o que diz «Senhor, Senhor», que entra no Reino dos Céus; não é o que proclama aqui em altos gritos que Deus é redentor e salvador, é o que lá fora salva e redime os homens com toda uma prática de justiça e de bem. Não teremos andado iludidos em entretenimentos espirituais, em tertúlias religiosas, em afadigar-nos completamente em distribuição de sacramentos, que valem mas que não tocam a liberdade interior das pessoas, e que são como água que cai sobre plástico, não apanhando interiormente o gérmen da liberdade do homem e da sua responsabilidade?

(...) Quando João e Pedro, no princípio da Igreja, subiam ao Templo para rezar, estava um coxo à porta do Templo e pediu-lhes esmola. Pedro olhou-o olhos nos olhos e disse-lhe: «Homem, eu não tenho ouro, nem prata...», era o chefe da Igreja, o primeiro Papa, «...eu não tenho ouro nem prata, mas do que tenho te dou: em nome de Jesus Nazaré, levanta-te e põe-te de pé!» E ele pôs-se. E eu pergunto: não será verdade talvez que a Igreja, porque hoje tem muito ouro e prata, não põe ninguém de pé? E continuam todos coxos e incapazes de fazer uma caminhada? Mas a Igreja somos nós! Não estamos nós brutalmente enriquecidos, intelectual e mesmo fisicamente e materialmente? Não estamos nós aburguesados, incapazes de uma autêntica mutação, de uma autêntica transformação interior? Ou estamos nós capazes de fazer experiências concretas da Igreja, por aí fora? Eis a pergunta. Seremos daqueles que são capazes de ficar comprometidos? Ou seremos daqueles que só quando têm dificuldades é que vêm? Por hábito, por tradição ou até por necessidade?

 

P. Alberto Neto
Capela do Rato, Lisboa, 9.10.71
In Padre Alberto Neto - Testemunhos de uma voz incómoda, Texto Editora
29.06.12

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