Observatório da Cultura
Paisagens
Pedras angulares A teologia visual da belezaQuem somosIgreja e CulturaPastoral da Cultura em movimentoImpressão digitalVemos, ouvimos e lemosPerspetivasConcílio Vaticano II - 50 anosPapa FranciscoBrevesAgenda VídeosLigaçõesArquivo

Haverá futuro para a transmissão da fé?

A evangelização, se pretende a transmissão da fé, tem de ser muito pessoal e muito transmissível. Num mundo global de incerteza, ambiguidade e imprevisibilidade, de ansiedade e distúrbio, de comunicação massiva e hiperescala nas ofertas de solução, a maioria das pessoas vive entrincheirada em mecanismos de defesa, atraída por muitas verdades provisórias e sem capacidade para a leitura profunda das realidades. Neste contexto, a evangelização deve assumir a atitude de proximidade e dedicação da «pesca à linha», legível a partir da posição de cada um, ponto de partida para uma proposta de fé aceitável. E como as pessoas são continuamente sujeitas a grande número de «primeiro anúncio», a proposta cristã só se pode sedimentar com o testemunho coerente dessa coisa complexa, morosa e difícil que é ser-se um cristão.

Adverso às expectativas humanas dominantes dos prazeres imediatos e dos poderes mal distribuídos, o cristianismo, não desejando apoderar-se da linguagem da publicidade e do consumo religioso, progride nas consciências vacilantes pela convicção e pela alegria balsâmica derramada sobre os sofrimentos que resultam da perda endémica do ideal e da esperança.

Essa capacidade de testemunho necessita de uma âncora forte, já que os cristãos partilham a carne dolorida de todos e os efeitos da ampla democratização da falibilidade das soluções modernas. Tal âncora é, inequivocamente, a família, cuja erosão é a mais ameaçadora derrota do cristianismo. Não é possível fazer uma iniciação cristã sem a família ou contra a família, e quando a família natural não é possível, é sempre necessário encontrar uma outra. A recuperação da família e a evangelização em família não terão um caminho fácil, já que uma Igreja excessivamente clericalizada perdeu, para o medo, a culpabilização e o romantismo, a noção exata do que a família é e de como esta deve ser tratada na sua unidade e multiplicidade de relações internas, pedra angular da classe média, apanágio da estabilidade e da transmissão de valores, agora em violenta transformação por obra da austeridade e das várias crises sociais. Mas por alguma razão Jesus entregou os apóstolos a Maria.

Nas famílias, há que contar com os desafios que são colocados à sua autoridade educativa, a mobilidade social que as mães estão a alcançar, a importância da felicidade destas e da normatividade vigilante que deve vir da figura do pai, quando os jovens casais não têm ninguém com quem aprender a ser educadores e de como preservar os indispensáveis laços de união. Mas as comunidades de fé podem ser a família alargada que as famílias, hoje, não têm: um espaço que acolhe, que aceita, que ensina, que acompanha, que facilita, que celebra. Um espaço onde a pessoa é relevante e, por isso, pode ser ajudada a responsabilizar-se pelo seu percurso, pelo dos outros, pelo crescimento de uma sociedade fundada na justiça e na fraternidade, aprendidas na experiência do viver em comum cristão, à maneira, atualizada, das primeiras comunidades.

Também há que considerar a educação formal e a produção do conhecimento: a Igreja tem um passado de excelência educativa e respondeu às crises históricas mais rebeldes com inteligência, com meios e com constância na procura da verdade. É indispensável que se entregue dedicadamente a este caminho de salvação da humanidade quando a pessoa parece condenada aos rudimentos da informação que a habilitam para o trabalho e numa época em que a investigação científica é manipulada pelos interesses comerciais e políticos mais espúrios.

Finalmente, a evangelização, para ter futuro, deve ser mais equilibradamente feminina: mais comunicativa, mais acessível, mais próxima, mais doméstica, mais interessada, mais realista, mais acolhedora, mais dedicada, mais paciente e mais persistente. É necessário abraçar a fé, comprazer-se com a sua beleza, alimentá-la colherada a colherada, vitaminá-la com sumo, curar-lhe as feridas, abrigá-la das ventanias, acreditar que tem potencial para crescer. Tal como fazem as Mães: gratuitamente, arriscando, errando e aprendendo umas com as outras.

 

Este artigo integra a edição n.º 21 do “Observatório da Cultura”.

 

Cristina Sá Carvalho
Psicóloga, responsável pelo Departamento de Formação do Secretariado Nacional de Educação Cristã
© SNPC | 20.05.14

Redes sociais, e-mail, imprimir

Foto
D.R.

 

Ligações e contactos

 

 

Página anteriorTopo da página

 


 

Receba por e-mail as novidades do site da Pastoral da Cultura


Siga-nos no Facebook

 


 

 


 

 

Secções do site


 

Procurar e encontrar


 

 

Página anteriorTopo da página