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Fé e cultura

Igreja precisa de criar uma linguagem que liberte o homem contemporâneo do seu enclausuramento

O que é mais importante (criar, manter, repensar) na relação da Igreja com a cultura?

Se a cultura constitui a condição originária da vida em comum, e a linguagem que “diz” a cultura inaugura nessa vida em comum o modo de coexistir com sentido, a Igreja deve interrogar-se se está a conseguir traduzir em linguagem significativa para os homens de cada tempo a proposta salvífica de Deus revelada em Jesus Cristo. Assumindo como seu processo de inculturação a kénosis [esvaziamento de si] do Verbo na encarnação, a Igreja respeitará a autonomia das realidades terrestres (Gaudium et spes), mas não deixará de anunciar que o Deus que entrou na história em Jesus Cristo constitui fundamento, horizonte e fim último de toda a dinâmica da cultura humana. Nessa medida, todas as expressões culturais que tentam “dizer” o sentido do homem devem ser, por um lado, medidas, relativizadas e questionadas no seu caráter sempre provisório e precário, e por outro lado, revestidas de importância e de beleza enquanto etapas de um processo que anuncia «a esperança absoluta do futuro absoluto, que é o próprio Deus» (K. Rahner).

Numa breve hermenêutica (ergológica) do tempo presente, em que o clima cultural ocidentalizado proporcionou o fechamento da pessoa sobre si mesma, acreditamos que a Igreja necessita de incentivar a criação de uma linguagem que permita ao homem contemporâneo descobrir caminhos de saída da crise do mundo pessoal em que se encontra. E esta crise tem, a nosso ver, uma tríplice manifestação:

- A fuga de interioridade que faz a pessoa oscilar entre dois mundos: enclausurada num racionalismo cartesiano, a pessoa entende-se a si mesma como autoconstituinte; mas, não sendo origem de si, autopercebe-se como subjetividade relacional para si e para o outro. Não dispondo de tempo para a solidão fecunda que responda à pergunta formulada por Virgílio Ferreira – «Quem me habita?» – não se relaciona reflexivamente consigo mesma na busca do sentido de si; pelo contrário, aliena-se numa vida inautêntica (Heidegger), quase esquizofrénica, como se a sua vida fosse a vida do outro e não a sua.

- A ausência de alteridade que, no mundo pessoal, resulta de uma ‘coisificação do outro’ nas relações quotidianas, instrumentalizando-o em função dos seus propósitos e desejos egolátricos. Quando se relaciona com o outro coisificado, também se frustra a si mesmo, pois a relação coisal com o outro coisifica-o e empobrece-o, em vez de o personalizar. Esta é a alienação permanente de si mesmo do homem atual: espera que a posse e uso de pessoas, instrumentos e artefactos lhe forneçam um sentido de vida. Na verdade, carece da experiência ética primeira que é o encontro com o “rosto do outro” na sua alteridade, condição constituinte da espiritualidade, de produção de sentido humano e de aprofundamento da interioridade.

- A crise de transcendência de que padece o homem contemporâneo resulta da incapacidade de resolver a tensão saudável entre ‘desejo’ e ‘limite’ e que é visível na incapacidade de superar e violar proibições e de se projetar sempre mais além: no seu endeusamento, não tem olhos para perscrutar o alto (Outro-Absoluto); na sua vida vertiginosa, não se atreve a olhar mais fundo (interioridade); no seu egoísmo, não tem generosidade para olhar para o lado (Alteridade).

Acentuando uma ilustração de cariz antropológica e recorrendo a uma imagem metafórica, dir-se-á que a crise do mundo pessoal consiste na incapacidade de o homem manter em conjunção, numa dualidade saudável, a interioridade/enraizamento e a abertura, a imanência e a transcendência. Em tempos de vidas e razão fragmentadas, sem interioridade, alteridade e transcendência, urge “evangelizar a cultura” para a ajudar a construir um homem espiritual que consiga experienciar um encontro unificador quando, num mesmo movimento, mobiliza interioridade reconciliada e radical abertura à alteridade, imanência finita e encontro com o “rosto” infinito do outro. Só esta experiência é constitutiva da sua identidade ontológica, porque profundamente humana, aquela que não consegue pensar a felicidade e a eternidade senão como prolongamento, de forma infinita, dessa experiência plena de sentido em Jesus Cristo.

 

José Luís Gonçalves
Diretor da Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, Porto
© SNPC | 25.03.12

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John Heseltine / Corbis
















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