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Iluminar a razão com a fé: Desafio à ética, economia, política, ciência e Igreja

A pessoa humana está interligada com o seu ambiente cultural de tal modo que se qualquer ação humana tem reflexos na cultura também é igualmente verdade que o desenvolvimento harmonioso da pessoa e da sociedade dependem do seu contexto cultural.Daí a importância que a Igreja dá à cultura na sua relação com o Evangelho. Tudo isto para o bem do homem.

Já no Concilio, no diálogo que este se propôs com o mundo atual, se diz que «é próprio da pessoa humana necessitar da cultura, isto é, de desenvolver os bens e valores da natureza, para chegar a uma autêntica e plena realização. Por isso, sempre que se trata da vida humana, natureza e cultura encontram-se intimamente ligadas» (Gaudium et spes (GS), 53).

É de todos reconhecida a separação que nos últimos séculos se efetuou entre a fé cristã e a cultura. Se na tradição, esta tinha fortes marcas do cristianismo que a tinha informado, fosse através do Evangelho, da razão crente, ou das diversas formas de expressão artística, a partir do processo racionalista desenvolvido pela modernidade, a cultura é determinada tão só pelos ditames da razão humana.

Adverte, por isso, o Concilio para «o progresso hodierno das ciências e das técnicas que, em virtude do seu próprio método, não penetram até às causas últimas das coisas, pode sem dúvida dar azo a certo "fenomenismo" e agnosticismo, sempre que o método de investigação de que usam estas disciplinas se arvora indevidamente em norma suprema de toda a investigação da verdade. É mesmo de temer que o homem, fiando-se demasiadamente nas descobertas atuais, julgue que se basta a si mesmo e já não procure coisas mais altas» (GS, 57).

A mesma advertência coloca-a João Paulo II na Encíclica "Fé e Razão" (FR), quando diz que «todavia, os resultados positivos alcançados não devem levar a transcurar o facto de que essa mesma razão, porque ocupada a investigar de maneira unilateral o homem como objeto, parece ter-se esquecido de que este é sempre chamado a voltar-se também para uma realidade que o transcende» (n.º 5).

Sim, porque o ser humano sem referência à transcendência fica ao sabor do livre arbítrio, e a sua condição de pessoa acaba por ser avaliada com critérios pragmáticos baseados essencialmente sobre o dado experimental, na errada convicção de que tudo deve ser dominado pela técnica.

Por isso, observa ainda o Santo Padre, «foi assim que a razão, sob o peso de tanto saber, em vez de exprimir melhor a tensão para a verdade, curvou-se sobre si mesma, tornando-se incapaz, com o passar do tempo, de levantar o olhar para o alto e de ousar atingir a verdade do ser» (n.º 5).

Esta posição, intransigência e limitação racional tem implicações em toda a vida da pessoa e da sociedade. A par com uma crise de transcendência, deparamo-nos com uma crise sobre a conceção do próprio homem e, daí, a desorientação sobre o que verdadeiramente se deve considerar como importante para salvaguardar a dignidade profunda da pessoa, a nobreza das suas relações mútuas, os seus valores constituintes e a sua participação social.

É evidente que hoje se assiste a mudanças tão rápidas e desarticuladas que, sobretudo nos jovens, a sensação de estarem sem pontos de referência autênticos é algo de angustiante.

A segurança era depositada na tradição, na família, na legislação ou na cultura envolvente, algo que na atualidade falha, deixando um sentimento de deriva e desorientação. Deste modo, afirma-se ainda na Encíclica citada, muitos arrastam a sua vida quase até à borda do precipício, sem saber o que os espera. Isto depende também do facto de, às vezes, quem era chamado por vocação a exprimir em formas culturais o fruto da sua reflexão, ter desviado o olhar da verdade, preferindo o sucesso imediato ao esforço duma paciente investigação sobre aquilo que merece ser vivido (cf. FR, 6).

A necessidade de um alicerce sobre o qual construir a existência pessoal e social faz-se sentir de maneira premente, principalmente quando se é obrigado a constatar o caráter fragmentário de propostas que elevam o efémero ao nível de valor, iludindo assim a possibilidade de se alcançar o verdadeiro sentido da existência.

Soma-se ainda a crise moral que entronca na recusa de caminhar na verdade universal que informe a consciência para a libertar de ser critério individual sobre o que é bom e o que é mau. Afirma-o o texto da Encíclica "Veritatis Splendor" com as seguintes palavras: «perdida a ideia duma verdade universal sobre o bem, cognoscível pela razão humana, mudou também inevitavelmente a conceção de consciência: esta deixa de ser considerada na sua realidade original, ou seja, como um ato da inteligência da pessoa, a quem cabe aplicar o conhecimento universal do bem a uma determinada situação e exprimir assim um juízo sobre a conduta justa a ter aqui e agora; tende-se a conceder à consciência do indivíduo o privilégio de estabelecer autonomamente os critérios do bem e do mal, e de agir em consequência» (nº 32).

Esta visão identifica-se com uma ética individualista, na qual cada um se vê confrontado com a sua verdade, diferente da verdade dos outros.

Com efeito, graças precisamente ao agir ético, aberto à transcendência, a pessoa, se atuar segundo a sua livre e reta vontade, entra pela estrada da felicidade e encaminha-se para a perfeição. Se existe o direito de ser respeitado no próprio caminho em busca da verdade, há ainda antes a obrigação moral grave para cada um de procurar a verdade e de aderir a ela, uma vez conhecida.

Dada a desorientação da consciência ética do homem, a recuperação da razão iluminada pela fé torna-se num desafio que se levanta atualmente no campo social, económico, político e científico, e exige o agir dos crentes.

 

D. João Lavrador
Bispo auxiliar do Porto, membro da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais
In Voz Portucalense, 9.10.2013
09.10.13

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