Prémio de Cultura Árvore da Vida - Padre Manuel Antunes
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Intervenção de Francisco Sarsfield Cabral na receção do Prémio Árvore da Vida - Padre Manuel Antunes (notas)

Reverendíssimo Senhor D. Pio Alves de Sousa,
Excelentíssimos membros do júri do “Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes”,
Caros amigos,

Começo por agradecer ao júri deste Prémio a - pelo menos para mim - surpreendente decisão de mo atribuir.

Depois de o P. Tolentino me comunicar a notícia, pensei várias vezes como o júri teria dificuldade em encontrar uma justificação para me darem este prémio, que se insere na Pastoral Cultural da Igreja.

Mas a justificação que figura na ata agradou-me. Não por eu ter todas aquelas qualidades. Mas porque traça um ideal de jornalismo que me orienta, embora esteja longe de o atingir. Digamos que é um "ideal regulador"…

 

2.

Agradeço também às pessoas e às instituições que me têm permitido exercer a profissão de jornalista, mesmo depois de reformado. É o caso, nomeadamente, da Rádio Renascença e da Brotéria, cujos responsáveis máximos estão aqui presentes e integram o júri do prémio. Muito obrigado.

Um motivo adicional para a minha satisfação ao receber este prémio é estar ele ligado à figura excecional do P. Manuel Antunes. Tive a sorte de conhecer e conviver com o P. Manuel Antunes desde poucos anos antes do 25 de Abril de 1974, até à sua morte em 1985. Já antes era um leitor atento dos seus inúmeros artigos na Brotéria. Mas conhecê-lo pessoalmente e com ele conversar foi das coisas boas que me aconteceram na vida.

 

3.

Numas jornadas sobre a saúde da democracia tem sentido falar de jornalismo. Sem jornalismo livre e responsável não há democracia.

O jornalismo atravessa uma fase difícil e de futuro incerto, em Portugal e no mundo. O aparecimento da internet afetou as vendas e as receitas de publicidade dos meios de comunicação social. Será que daqui a dez anos ainda haverá jornais diários em papel? Não se sabe.

Ninguém descobriu, ainda, como e se será possível ganhar dinheiro no jornalismo on-llne, Conteúdos pagos, sim ou não? Publicidade?

E a net está a tirar espectadores à TV, sobretudo entre os jovens. TV que se defronta com o problema da fragmentação de canais. Estarão condenados os canais generalistas?

Convém não ser demasiado pessimista. Quando apareceu a televisão, profetizou-se o fim da rádio. Afinal, ela aí está, bem viva...

 

4.

Nas últimas décadas tornou-se visível uma decadência deontológica na comunicação social. Acentuou-se a tendência para o sensacionalismo, que dá prioridade ao chocante, ao escândalo, ao sangue, à tragédia como espetáculo.

Vale tudo para ganhar leitores e audiências, o que é agravado pela pressão da crise e da concorrência. Esta deriva sensacionalista, que apela ao sentimento (servem quaisquer emoções e sentimentos, até os bons) e se encanta com os "famosos", foi impulsionada pela televisão. E daí alastrou para outros "media".

É o chamado jornalismo tabloide.

Não é um fenómeno novo. O magnate da Imprensa Randolph Hearst (o personagem interpretado por Orson Welles no seu filme Citizen Kane) promoveu no fim do século XIX uma guerra dos EUA contra Espanha, em Cuba (então colónia espanhola), para... vender jornais.

E os jornais sensacionalistas britânicos, os chamados "tabloides", emergiram nas primeiras décadas do século XX vendendo muito mais do que os jornais ditos "de qualidade" ou "de referência" (o que ainda hoje acontece).

Mas a atual massificação dos consumos de informação, nomeadamente na TV, trouxe à tendência sensacionalista uma nova dimensão. A tirania das audiências faz, hoje, estragos maiores do que no passado. Surgem fenómenos inquietantes, como misturar informação com entretenimento e espetáculo (o chamado infotainment).

O rigor informativo cede perante a necessidade de apresentar imagens chocantes e leva a divulgar notícias não confirmadas, tudo para ganhar audiências.

 

5.

Qual a responsabilidade do jornalista nesta quebra deontológica? É menor do que muitas vezes se pensa - e não o digo por ser jornalista, mas por conhecer a realidade do meio.

Muitas empresas de comunicação social estão aflitas financeiramente. Daí uma redução de meios humanos e materiais pouco compatível com a investigação séria das notícias. E em alguns "media" há uma pressão enorme sobre os jornalistas para que arranjem notícias que atraiam público, seja como for.

 

6.

Talvez estas considerações pareçam demasiado pessimistas. Creio que são realistas, mas incompletas.

Há que dizer, também, que houve progressos éticos na comunicação social portuguesa. Por exemplo: antes do 25 de Abril os principais jornais diários publicavam na primeira página textos propagandísticos, designadamente sobre relatórios de bancos, sem indicação de se tratar de publicidade paga. E nessa altura vigorava a censura, que se encarregava de eliminar tudo o que fosse escândalo.

Também é positiva a indicação de que o jornalista viajou a convite de... Bem como a existência de provedores do leitor, do ouvinte, do telespectador.

 

7.

E não se deve exagerar o poder dos "media". Têm muita influência, com certeza. Mas as pessoas não são "cãezinhos de Pavlov", sem capacidade para reagirem criticamente ao que lhes querem meter na cabeça.

Há 60 anos receava-se que a publicidade na TV, então em crescimento explosivo, significasse uma autêntica lavagem ao cérebro dos telespectadores. Depois, viu-se que não era tanto assim. Os ditadores julgam controlar a opinião pública através da comunicação social, mas quase sempre se enganam.

 

8.

Quando pretendem justificar a transmissão de programas degradantes mas de grande audiência os patrões das televisões têm na ponta da língua uma resposta: nós até nem gostamos destes programas, mas o público gosta...

O "telelixo" é, portanto, democrático. Se a maioria dos telespectadores preferisse ópera, com certeza que as estações de televisão transmitiriam ópera. O que há a fazer, então, é tentar mudar o gosto do grande público. Ou seja, resolver o problema pelo lado da procura, não pelo lado da oferta, rejeitando quaisquer tentações censórias.

Não é fácil, leva tempo, mas é o caminho. Que implica um esforço para ensinar as pessoas a lidar com a comunicação social. Nas escolas deveria ser explicada, por exemplo, a linguagem televisiva e as ilusões que ela é suscetível de criar em quem estiver desprevenido.

Por outro lado, já houve iniciativas curiosas por parte dos consumidores de televisão. Em França um movimento apelou a não comprar produtos de empresas que patrocinem programas televisivos considerados indignos, o que fez muitas empresas pensar duas vezes... No Brasil surgiu há anos uma campanha "contra a baixaria" na TV, no mesmo sentido.

 

9.

Outra realidade recente são os blogues e as redes sociais. Há milhares de blogues, onde cada um escreve o que muito bem lhe apetece. Há muita gente a dizer publicamente o que pensa nas redes sociais.

Só que o faz, por vezes, sem sentido de responsabilidade. Em blogues anónimos, por exemplo, é fácil insultar pessoas, falsear a verdade, entrar mesmo em grosserias, sem as consequências legais que recaem sobre quem assim proceda em jornais impressos.

Não defendo a censura à blogosfera (ela existe na China, por exemplo). Mas reconheço existir aqui um problema delicado.

 

10.

Será que os blogues e as redes sociais vão ditar o fim do jornalista? O jornalista vai desaparecer?

No mesmo sentido, fala-se no cidadão jornalista, isto é, pessoas que, não sendo profissionais do jornalismo, filmam nos seus telemóveis um acontecimento ou transmitem notícias porque estavam presentes no local onde as coisas se passaram.

Julgo que o jornalista não vai desaparecer. Pelo contrário. Numa época de excesso de informação é preciso quem faça uma seleção do material informativo.

Haverá inúmeras seleções possíveis consoante os critérios de quem escolher as notícias - pode ser mais desporto e menos política, por exemplo, ou o contrário. Mas alguma seleção terá de ser feita, sob pena de ficarmos submergidos numa montanha de notícias e comentários.

Ao consumidor de informação cabe escolher quem lhe filtre as informações e comentários mais a seu gosto, no quadro de uma oferta plural. Mas a intervenção do jornalista é indispensável.

 

11.

o jornalismo deve procurar ser objetivo, dar notícias verdadeiras. E fundamentar as opiniões que emite.

Mas a mais objetiva das notícias implica sempre uma escala de valores. Porque se escolhe aquela notícia e não outras? Porque faz essa notícia manchete num jornal ou abre um noticiário na rádio ou na televisão?

Não é possível jornalismo sem valores. O Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, condena a comunicação que tem como fim induzir ao consumo ou à manipulação das pessoas. E apela a uma comunicação ao serviço de uma autêntica cultura de encontro.

Por isso tem sentido incluir o jornalismo na área da cultura.

Considero este Prémio atribuído a um jornalista o reconhecimento da importância cultural do jornalismo.

FotoCón. João Aguiar, Francisco Sarsfield Cabral, D. Pio Alves, P. Tolentino Mendonça. Fátima, 30.5.2014

 

Francisco Sarsfield Cabral
10.ª Jornada Nacional da Pastoral da Cultura, Fátima, 30.5.2014
© SNPC | 30.05.14

Redes sociais, e-mail, imprimir

Foto
Cón. João Aguiar, presidente do Conselho de Gerência da Renascença,
patrocinadora do Prémio Árvore
da Vida - Padre Manuel Antunes
entrega o prémio monetário a
Francisco Sarsfield Cabral
Fátima, 30.5.2014

 

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