Há muito tempo que Jordi Savall tem vindo a inaugurar novos e cada vez mais profundos caminhos de pesquisa, que se estendem muito para lá das simples fronteiras musicais para se abrirem a novos horizontes que lançam verdadeiras pontes de diálogo entre o mundo ocidental e oriental.
«Da fundação do reino de Granada, passando pela expansão e esplendor do Al-Andalus, até chegar à sua incorporação no reino de Castela e Leão e à conversão forçada dos mouros»: são estas as coordenadas temporais ao longo das quais o artista catalão compaginou o programa do seu recente projeto discográfico intitulado precisamente “Granada - 1013-1526”, que, com os históricos conjuntos Hespèrion XXI e La Capella Reial de Catalunya, vê envolvidos artistas provenientes de Síria, Marrocos, Turquia, Grécia e Israel.
«A fundação do reino de Granada por Zawi ibn Ziri em 1013 sobre a antiga localização de Garnata al-Yahud, a Granada dos judeus, é o ponto de inspiração deste projeto: uma evocação história e musical de cinco séculos de vida de uma das cidades mais importantes e mais admiradas da Andaluzia muçulmana. Encomenda especial do Festival de Música e Dança de Granada, este programa foi imaginado e criado para celebrar os mil anos da fundação do reino de Granada», lê-se na página da editora, Alia Vox.
Todavia, as origens das composições escolhidas para este disco remontam ao princípio do século V. «A presença de comunidades judaicas na Andaluzia e as suas relações com os cristãos começam a preocupar a hierarquia eclesiástica desde o Concílio de Elvira (Granada), celebrado nos primeiros anos do século IV e um século mais tarde». Em 409, «a chegada à Península Ibérica dos vândalos, suevos e alanos acaba com quatro séculos de romanização, durante os quais se estabelece a liturgia visigótico-moçárabe, cuja influência desaparecerá definitivamente em 812, quando o imperador de Bizâncio reconhece Carlos Magno como legítimo imperador do Ocidente», explica Savall no mesmo texto.
«Quando os muçulmanos chegam à Andaluzia, tinham importantes precauções contra a música. A profissão de músico era considerada como imoral e mesmo desonesta. (…) Com a chegada de Abd al-Rahman I, “o Justo”, primeiro emir da dinastia omíada no Al-Andalus, a música começa a ser melhor considerada e a ocupar um lugar muito mais importante, até se tornar – com a chegada do grande músico Abu-i-Hassan Ali ibn Nafi, conhecido pelo nome de Zirvab – uma das formas mais apreciadas da arte andaluz, em particular para as classes dirigentes. À medida que se suavizavam as tradições maometanas, a prática musical desenvolveu-se com uma crescente intensidade em todas as camadas sociais», assinala o compositor.
Trata-se de um álbum de grande fascínio, cujo espírito originário é descrito pelo próprio Savall nas notas do CD: «Esta gravação é um apaixonado testemunho do poder da música no desenvolvimento do diálogo intercultural e uma fervorosa homenagem a todos os músicos que, participando neste registo, o tornam possível como seu extraordinário talento, a sua humanidade e a sua generosa participação para além das suas origens, das suas culturas e dos seus credos».
As músicas judaicas, entre o Cântico dos Cânticos e os testemunhos das comunidades sefarditas, juntam-se às melodias levantinas das canções e das danças instrumentais de origem árabe e norte-africana, a par com trechos da tradição cristã provenientes de repertórios moçárabes e manuscritos hispânicos medievais, como o “Codex de Las Huelgas” e “Cantigas de Santa María”.
E é forte a sensação de se sentir “em casa” quando a Capella entoa docemente a polifonia moçárabe do moteto “Penitentes orate”: uma oração do século XI que convida a ajoelhar-se para pedir perdão dos pecados e que se dirige simbolicamente aos fiéis de todas as religiões diante do único Deus da paz.
Andrea Milanesi