Cinema
"Momentos de glória": quando o desporto é uma corrida para o bem
Eric Henry Liddell era escocês, mas nasceu na China. Filho de missionários protestantes tornou-se também missionário e morreu no país natal depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Harold Abrahams, inglês de origem judaica, tornou-se um homem de negócios de sucesso, como o seu pai. Em comum têm o grande empreendimento desportivo nas Olimpíadas de Paris de 1924, onde o primeiro ganhou o ouro nos 400 metros e o segundo nos 100. Para o Reino Unido são heróis nacionais. O resto do mundo conhece-os sobretudo graças a “Momentos de glória” (Chariots of fire, 1981).
O filme do então estreante Hugh Hudson foi agora restaurado por ocasião da sua projeção em blu-ray. Precisamente há 30 anos ganhava de surpresa quatro Óscares, entre os quais o de melhor filme, vencendo a concorrência do mais promissor “Reds”de Warren Beatty.
É recordado como um filme clássico mas revisto hoje parece uma obra quase experimental. Apresenta-se como colossal, e contudo trata-se de uma produção bastante pequena, que encontrou problemas insuspeitados de distribuição, além de dificuldade económicas e de tempo. É considerada uma obra patriótica mas as autoridades e os detentores das tradições são tratados bastante mal pelos protagonistas, como raramente acontece num filme inglês que não seja uma comédia. Não obstante o rigor filológico, por fim, não é tanto um filme histórico, quanto um apólogo sobre os valores espirituais e aqueles que o desporto inspira. E também sobre as suas possíveis semelhanças.
De uma história que decorre em Cambridge nos anos 20 espera-se o máximo da sobriedade; todavia Hudson desconstrói-a com o uso praticamente ininterrupto do zoom e da teleobjetiva, as desacelerações, as reiterações da mesma cena enquadrada de diversas perspetivas, além de imagens que muitas vezes dão a impressão de acompanhar a bela e já célebre banda sonora eletrónica de Vangelis – outra escolha insólita e ousada – e não o contrário. Resumindo, estamos no âmbito da estética hiper-realista que dominou a década dos anos 80, próxima da linguagem da publicidade e dos videoclips. Não é por acaso que o cineasta provinha do mundo da publicidade e também do documentário. Não é por acaso que o filme talvez mais representativo do decénio teria sido “Blade Runner” (Ridley Scott, 1982), dirigido por outro cineasta inglês com experiência nos anúncios publicitários e apoiado novamente de maneira fundamental pelas músicas do compositor grego.
O título original do filme, “Chariots of fire”, é inspirado em “Jerusalem” canto popular inglês de pendor religioso e patriótico que chegou a ser proposto como hino nacional. É nele que se encontra o verso «Bring me chariot of fire», citação de um verso do poema épico “Milton”, de William Blake.
O autor inspirou-se numa expressão citada duas vezes na Bíblia, no segundo livro dos Reis. A primeira diz respeito à assunção ao céu do profeta Elias: «Continuando o seu caminho, entretidos a conversar, eis que, de repente, um carro de fogo e uns cavalos de fogo os separaram um do outro, e Elias subiu ao céu num redemoinho» (2 Re 2, 11).
O segundo passo refere-se ao milagre de Eliseu, um dos discípulos de Elias. «Eliseu, depois de fazer uma oração, disse: «Senhor, abre-lhe os olhos para que veja.» O Senhor abriu os olhos do servo e ele viu o monte repleto de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu (2 Re 6, 17).
Ambas as imagens tornam-se expressão da força de Deus que sustenta e leva o ser humano a feitos extraordinários.
Emilio Ranzato
In L'Osservatore Romano, 28.7.2012
Com SNPC
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02.08.12
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