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Cinema

O ato de matar

O projeto nascera com o objetivo de registar o testemunho das vítimas, seus familiares, e sobreviventes de três décadas de regime repressivo na Indonésia, sob a presidência de Hadji Mohamed Suharto. Com cerca de um milhão e meio de mortos e desaparecidos estimados nesse negro período da história indonésia, resultado da tenebrosa ação dos esquadrões da morte criados para exterminar qualquer assumido defensor ou simpatizante de esquerda, a importância de um documento cinematográfico seria fulcral e meritória, registando para o mundo e a posteridade o valor dos que, de fragilizados pelo abuso de poder, se fizeram fortes no seu combate.

No entanto, perante as dificuldades em estabelecer livre contacto com esses testemunhos, não obstante as diversas tentativas e meios para o conseguir, a equipa liderada pelos realizadores Joshua Oppenheimer e Christine Cynn encontrou-se na insólita situação de ter, ao seu dispor e despudoradamente, outro calibre de testemunha: membros dos esquadrões da morte, orgulhosos dos seus atos e hoje celebrados como heróis nacionais.

O inesperado desafio é aceite e eis que surge “O ato de matar”, documento impressionante e de dificílima digestão que nos obriga a pensar, da mais séria e dura forma, sobre os limites da (des)humanidade e, inevitavelmente, sem vislumbre de arrependimento, sobre a possibilidade de perdão.

Com a participação de Werner Herzog (“A gruta dos sonhos perdidos”) na produção, “O ato de matar” é um documento quase tão brutal como as mortes perpetradas às mãos dos seus protagonistas, que as relatam e recriam com a liberdade permitida pelos realizadores. Uma opção discutível que, se por um lado visa evidenciar a fidelidade do retrato dos homicidas, por outro resulta numa perversa espetacularização do desumano, do horror, o que deslocaria partes do filme do género documental para o de terror e o insólito se fosse de ficção e não de realidade o que se trata.

Assim, o filme interessa sobretudo pelos dois tipos de reflexão que oferece: uma, certamente a mais óbvia e terrível, sobre o conteúdo; e outra, menos evidente mas igualmente importante, sobre a sua forma. No que respeita a esta última, vale a pena ter em atenção que, no cinema, um realizador atua sempre. Mesmo por omissão. Pois a forma como câmara e sujeito se encontram é sempre sua opção. E sabe, desde logo, que um encontro entre duas pessoas não é o mesmo que um encontro entre alguém e uma câmara. É nesse sentido que a liberdade conferida aos testemunhos que aqui se apresentam, com a particularidade de cada um representar a sua memória e a relação de consentimento com os seus tenebrosos atos de forma própria, pode (e deveria) ser, mais que estética, eticamente discutida.

Combinados com imagens de arquivo e da atualidade social e política que provam que a negra nuvem que pairou sobre a Indonésia não foi ainda dissipada por nenhum vento de mudança suficientemente forte, os testemunhos não deixam de constituir uma portentosa denúncia sobre o estado de desrespeito pelos mais elementares direitos humanos de um país que, desde que perdeu Timor, não terá voltado a despertar o interesse e preocupação merecidos entre muitos de nós, portugueses. No final do filme, atendendo sobretudo à motivação que lhe deu origem, é ainda mais profunda e quase mesmo insuportável a ausência sentida dos que morreram lutando contra o regime.

Documentário, 2012, 115 min., M/16.

 

Margarida Ataíde
Grupo de Cinema do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
In Agência Ecclesia | Com SNPC
29.04.14

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