O papa e os astronautas
Uma das imagens inesperadamente felizes num mês duro e desencontrado, como este maio foi, encontrei-a no diálogo de Bento XVI com…os astronautas. Parece que ganhamos todos em olhar para a história de outro ângulo – é o que apetece concluir. Confesso que acompanhei com emoção esta conversa de vinte maravilhosos minutos entre um Papa e os doze tripulantes (número curioso, não é?) do Shuttle Endeavour, que gira à volta da terra. Como escreveria depois o diretor do Osservatore Romano, Giovanni Maria Vian, aquele momento que se diria de flagrante normalidade era, contudo, atravessado por um potencial simbólico incomum. Normalmente são os diversos interlocutores a colocarem questões a um Pontífice. Aqui assistimos «a uma singular inversão de papéis»: seria sobretudo Bento XVI a interrogar os seus parceiros de conversa. Aliás, como o próprio Papa começa por dizer: «estou muito interessado em escutar as vossas experiências».
Há um fascínio que nos toca a todos, este de sermos colocados perante a indescritível beleza, silenciosa e azul, do planeta, e da sua posição misteriosa entre os astros. O filósofo Blaise Pascal tinha razão: pensar as profundidades vastíssimas do universo arrepia-nos completamente. A nossa experiência é a das minúsculas escalas. A tendência (contra a qual temos de lutar até ao fim) é a de tornar tudo ainda mais pequeno e limitado: são assim os nossos trânsitos rotineiros e sonâmbulos; são assim as visões parcelares que nos aprisionam ou os detalhes onde nos perdemos. Contemplar o que conhecemos a partir de outra perspetiva ou ousar o exercício (mesmo que, a princípio, doloroso) de buscar uma compreensão mais ampla, e de conjunto, sobre a realidade constitui o grande desafio da sabedoria.
Os doze astronautas saúdam Bento XVI
Gostei muito das quatro perguntas que Bento XVI colocou. Relato-as aqui, ainda que de forma mais ou menos abreviada, pois nos dão que pensar a todos. 1) Contemplando do alto a terra, que considerações fazeis sobre o modo como nações e povos vivem juntos cá em baixo e como é que o olhar da ciência pode contribuir para a causa da paz? 2) Do vosso extraordinário ponto de observação como olhais para a situação da terra? Tendes captado sinais ou fenómenos a que deveríamos dar maior atenção? 3) Quais são as mensagens mais importantes que gostaríeis de endereçar, sobretudo aos jovens, que viverão num mundo profundamente marcado pelas vossas experiências e descobertas? 4) A exploração do espaço é uma aventura científica fascinante…Ela é também uma aventura do espírito humano, um poderoso estímulo para refletir sobre as origens e o destino do universo e da humanidade. Os crentes olham frequentemente para os espaços infinitos, meditando no Criador de todas as coisas, e são tocados pelo mistério da sua grandeza…Na vossa intensa dedicação de trabalho e pesquisa, acontece-vos parar um bocado e fazer semelhante pensamento – dirigindo talvez mesmo uma oração ao Criador? Ou é-vos mais fácil refletir nestas coisas quando retornardes à terra?
José Tolentino Mendonça
In Diário de Notícias (Madeira)
30.05.11
Vaticano, 21.5.2011
Osservatore Romano/AP Photo