Paisagens
Paisagens
Pedras angulares A teologia visual da belezaQuem somosIgreja e CulturaPastoral da Cultura em movimentoImpressão digitalVemos, ouvimos e lemosPerspetivasConcílio Vaticano II - 50 anosPapa FranciscoBrevesAgenda VídeosLigaçõesArquivo

Espiritualidade

O pai-nosso, "Caminho de Perfeição"

Uma razão para S. Teresa de Jesus ter dado o título Caminho de perfeição a um seu escrito está no facto de a explicação vivencial do pai-nosso que lá faz ser caminho orante. Jesus, Mestre do pai-nosso, foi o Caminho de Teresa, aquele que disse “Eu sou o Caminho”: e era com ele que ela o rezava, como todos os cristãos. Para ensinar às suas primeiras carmelitas o caminho de oração contemplativa, tomou como ponto de partida o pai-nosso no bloco central do livro, considerando-o uma síntese de perfeição para os que percorrem esse caminho da comunhão com Deus. Teresa não tinha recurso mais excelente do que o evangelho para recolher a alma em oração. E, do evangelho, privilegiou o pai-nosso.

Já entre os Padres da Igreja o pai-nosso fomentou uma experiência orante contínua, o texto do evangelho mais usado, mais rezado, aprendido de cor. Teresa inseria-se nessa tradição que contava com precedentes ilustres. Com efusivo ardor, viu no pai-nosso “uma maneira de oração tão subida” (CE 65,4), que não pede coisas: pede Deus como Ele se deu em Jesus. E justifica: “É sempre grande bem fundar a vossa oração sobre orações ditas por uma tal boca como a do Senhor” (C 21,3). “Pasmo de ver como em tão poucas palavras está encerrada toda a contemplação e perfeição, que parece não termos necessidade de outro livro senão de estudar neste” (C 37,1).

O texto do pai-nosso era para ela algo vivo que, em contacto com a fé viva dela, reagia oferecendo o caminho da salvação. Na sua meditação reconheceu as “grandes coisas que temos aqui para pensar e entender” (C 38,1).

Comentando-o, entendeu bem a força de chamar a Deus Pai nosso. A sua experiência de Deus como Pai percebeu o que significava o Pai para Jesus e que a nossa maior dignidade é a de nos sentirmos filhos de tal Pai. “Façamos de conta que dentro de nós há um palácio de enormíssima riqueza, todo feito de ouro e pedras preciosas, como sendo para tão grande Senhor… Não há edifício de tanta formosura como uma alma limpa e cheia de virtudes…, e neste palácio está este grande rei, que houve por bem ser vosso Pai, e está em trono de grandíssimo preço, que é o vosso coração” (C 28,9).

Porque a oração do pai-nosso foi ensinada por Jesus, todo o que a reza sente-se filho no Filho. É a experiência suprema que o ser humano pode ousar: chamar a Deus seu Pai. O cúmulo da paternidade de Deus é ter filhos que se reconhecem como irmãos.

A propósito do “Pai nos céus”, Teresa fala do “pequeno céu da nossa alma, onde está Aquele que o fez” (C 28,5). Pensa no “estar a sós da alma e do seu Esposo, quando, dentro de si, ela quer entrar neste paraíso com o seu Deus” (C 29,4). Para Teresa, “onde está Deus é o Céu…; para falar a seu eterno Pai, a alma não precisa de ir ao Céu” (C 28,2). Assim, propunha existir com uma Presença que nos habita e nos precede. Porque a oração gratuita é santa relação de pessoas, cultivá-la é assumir uma vida habitada, habitada pelo Mistério interlocutor do orante, que o faz ser e lhe ilumina o caminho.

No “venha a nós o vosso reino” Teresa captou o espírito do evangelho: o Pai e o Reino de Deus vêm a nós na pessoa de Jesus. “O grande bem que há no reino do céu… é um alegrar-se de que se alegrem todos, uma paz perpétua, uma grande satisfação no íntimo de si mesmos, que lhes vem de ver que todos santificam e louvam o Senhor” (C 30,5).

A petição de “o pão nosso” reveste-se, em Teresa, de originalidade. Identificava “o pão nosso” com o próprio pão eucarístico, colocando-se na plataforma de numerosos Padres da Igreja: “Sua Majestade deu-nos este Pão sacratíssimo para sempre, este mantimento e maná da humanidade” (C 34,2). “De outro pão não vos preocupeis…; deixai essa preocupação ao vosso Esposo: Ele sempre a terá” (C 34,4). “Teria o Senhor de importar-se tanto em pedir de comer, para ele e para nós? Não me faz sentido” (CE 60,2).

Dessa maneira, fazia uma interpretação pessoal do adjetivo grego epiousion que está conforme com a exegese bíblica mais ousada. De facto, a versão de Mateus soa: “O pão nosso epiousion nos dai hoje [sémeron]”. A de Lucas soa: “O pão nosso epiousion nos dai cada dia [to kath’heméran]”. Mas traduzir o adjetivo grego epiousion por “o pão nosso de cada dia” faria repetir a Lucas o inciso “cada dia”. Uma tradução gramaticalmente possível é a que o entende como “o pão nosso de amanhã, do futuro”. S. Jerónimo traduziu por “o pão nosso supersubstancial”.

A Igreja primitiva interpretou-o no sentido de «pão do tempo da salvação», «pão da vida». E faz todo o sentido. O pão que Jesus deu à mesa dos amigos e dos pecadores e multiplicou para as multidões era o pão de cada dia, mas também símbolo do pão da vida na sua totalidade, pão para o corpo e para a alma, pão de cereal e pão de salvação. O dom do pão que pedimos é o do alimento físico. Mas, pedido ao Pai celeste, torna-se símbolo de alimento transcendente, da vida definitiva, de alimento que dá sentido divino à vida humana: a pessoa e obra salvífica de Jesus Cristo. A petição do «pão nosso de amanhã» implora que seja Deus a dar sentido último ao nosso quotidiano de mendigos do absoluto. Assim valorizamos mais esse dom “de amanhã” para hoje (segundo Mateus) ou para cada dia (segundo Lucas).

Depois de os censores terem dito a Teresa que essa petição também implicaria o pão material, incluiu uma leve referência ao alimento quotidiano do corpo (C 34,4).

Sem oração, a fé torna-se mera tradição, lei, dogma. A oração é a essência da fé cristã. Ao pôr o acento na sua importância, Teresa de Jesus não só interpretava certeiramente o evangelho mas era bem moderna, com uma mensagem aos que procuram o sentido último para a vida. De facto, para a realista Teresa, a oração produz efeito: é impulso para as boas relações humanas. Aí o pai-nosso tornava-se detonador da vida cristã, dando consciência de especial relação com Deus, a da filiação divina do orante; e dava um estilo de vida, que aglutina todo o comportamento cristão.

 

Armindo dos Santos Vaz, ocd
Semana de Espiritualidade 2012, Avessadas
© SNPC | 11.09.12

Redes sociais, e-mail, imprimir

ImagemSanta Teresa de Jesus





























Citação

























Citação





















Citação

 

Ligações e contactos

 

Artigos relacionados

 

Página anteriorTopo da página

 


 

Receba por e-mail as novidades do site da Pastoral da Cultura


Siga-nos no Facebook

 


 

 


 

 

Secções do site


 

Procurar e encontrar


 

 

Página anteriorTopo da página