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Pontes sobre o Tejo

Mas para que este tempo em declínio não nos escape,
Como aos que se julgam sábios, já vou ao teu encontro,
Até aos limites dos campos, onde as águas azuis
Circundam a minha amada terra natal e a ilha do rio.

Friedrich Holderlin, Elegias

Foto

Todas as cidades crescem de modo diverso e singular. Os acidentes e acasos da história e a vontade humana sobrepõem-se, nos tempos e nos lugares, e são a matéria ligante da edificação das cidades.

A explosão demográfica urbana no norte da Europa, no séc. XIX, não foi acompanhada pela contigência histórica portuguesa. Ainda hoje em Lisboa são visíveis os sinais, a um tempo, a necessidade de coincidir o passo histórico com as demais capitais europeias e dessa mesma distância que, de tempos a tempos, o poder político se propõe suprir.

Assim, Lisboa teve um crescimento diverso das grandes capitais europeias. A revolução industrial, por tardia e lenta em Portugal, não teve as consequências dramáticas como na Londres ou Paris de oitocentos. Daí, e ao contrário de Paris, não exiba as marcas monumentais do progresso em equipamentos urbanos nem em grandes boulevards, ou, distinta de Londres, no tecido urbano surjam as grandes extensões de construções de caráter social e de rendimento destinadas a atender à rápida transformação social e cultural por que atravessava.

O séc. XX do urbanismo lisboeta testemunha com rigor estes movimentos de desfasamento e aproximação aos modelos europeus de desenvolvimento urbano, quase sempre suportadas pelo esforço público e estatal, o único, aliás, capaz de produzir importantes operações de transformação no tecido urbano. A paisagem urbana lisboeta é a evidência dessas cesuras históricas que pretendiam orientar e planear o crescimento da cidade:das Avenidadas Novas de Ressano Garcia, no virar do século, ao plano de Alvalade de Duarte Pacheco; do Restelo das habitações para a burguesia adjacentes à Exposição do Mundo Português de 1940, sob autoridade do mesmo Duarte Pacheco – e a florestação de Monsanto, da mesma época – aos planos de Olivais Norte e Sul em tempos de incertezas e rápidas transformações sociais e políticas.

Ainda que pareçam manifestamente exageradas as notícias da obsolescência e morte da cidade tradicional, assente num sistema de relações de ruas, praças e quarteirões, de espaços abertos e fechados, públicos e privados, e da escala da necessidade do corpo humano,  hoje, numa propalada e, de certa forma equívoca, condição urbana global, a cidade genérica, os instrumentos tradicionais do planeamento – e podemos já considerar também tradicionais as próprias categorias urbanas de Le Corbusier: habitação, trabalho, lazer, circulação – são necessariamente motivo de reflexão por parte dos intervenientes na construção das cidades. Para evitar quer a evidente ditadura do mercado, quer as múltiplas e contraditórias opções individualistas, que possam aproveitar as brechas no edifício do bem comum da polis, importa, com abrangência e apoio em múltiplos saberes, pensar a condição urbana como uma das circunstâncias da contemporaneidade. Por esta razão, importa revisitar Lisboa em vésperas do Terceiro Milénio (Assírio & Alvim, 2002) do fotógrafo Luís Pavão.

O último grande momento da planificação da cidade de Lisboa remonta à preparação da Expo98 em que se pretendeu, e com algum sucesso, recuperar e juntar à cidade, um território ocupado por estruturas industriais desativadas ou desfasadas quer do tempo, quer do lugar. A época era de alguma euforia económica e social sob uma atmosfera de otimismo irrestrito no futuro, emanado na perceção da, finalmente, integração do país e da sociedade portuguesa no concerto das nações mais desenvolvidas da Europa.

Não exclusivamente focado nesse bocado da cidade de Lisboa, a coleção de fotografias de Luís Pavão evoca uma Lisboa modernizada segundo o compasso do desenvolvimento e progresso europeus. Uma Lisboa dotada de equipamentos e estruturas sociais, urbanas e culturais – escolas, universidades, novas redes viárias, parques e jardins, conjuntos habitacionais renovados - numa cidade que se afirma decididamente cosmopolita e aberta sem as feridas necessariamente abertas num processo de veloz transição para uma sociedade pós-industrial.

Não assumindo uma expressão crítica mas nem por isso meramente ilustrativa, importa neste conjunto de fotografias a visão da cidade onde se acumulam significados e paisagens numa época que, à distância de pouco mais de dez anos, nos parece já remota ou mesmo antagónica à experiência do contexto que atravessamos.

Mas importa mais, agora neste tempo difamado pelo medo e pela angústia da(s) crise(s), convocar o passado e a História, tanto pessoais como coletivos, reativá-los no interior da construção de uma memória, não como refúgio nostálgico em tempos turbulentos, mas que nos permita uma experiência das cidades e dos lugares despojadas quer do otimismo artificioso com que muitas vezes a sociedade de consumo nos conduz, quer do pessimismo que deturpa qualquer possibilidade de um viver completo, individual e comunitário, do presente e do futuro.

Evocando G.K. Chesterton, «o otimista achava que todas as coisas eram boas, exceto o pessimista, e que o pessimista achava que tudo era mau, exceto ele próprio», «a única maneira de sair disto parece amar» incondicionalmente o real, os lugares e as cidades para que possamos viver, transformar e construir as cidades e o real.

 

Capa

 

Lisboa em vésperas do Terceiro Milénio, Luís Pavão, Assírio & Alvim, 2002

 

João Amaro Correia
© SNPC | 18.04.12

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