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Programa do papa para a Igreja na cidade: Mudança de mentalidade, diálogo, religiosidade popular, pobreza

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Programa do papa para a Igreja na cidade: Mudança de mentalidade, diálogo, religiosidade popular, pobreza

O papa Francisco recebeu hoje, no Vaticano, os participantes no Congresso Internacional da Pastoral das Grandes Cidades, tendo lançado quatro prioridades: mudança de mentalidade dentro da Igreja, diálogo multicultural, religiosidade popular, e atenção aos pobres.

Falando de improviso, com base na sua experiência como arcebispo de «uma cidade populosa e multicultural como Buenos Aires», Francisco propôs-se «abrir novas estradas» e analisar «possíveis medos» que «confundem» e «paralisam».

«Na exortação “A alegria do Evangelho” quis chamar a atenção para a pastoral urbana, mas sem oposição à pastoral rural. Esta é uma ótima oportunidade para aprofundar desafios e possíveis horizontes de uma pastoral urbana. Desafios, isto é, lugares em que Deus está a chamar; horizontes, isto é, aspetos aos quais creio que deveremos prestar especial atenção», afirmou na abertura da intervenção.

Seguem-se excertos do discurso, com subtítulos da responsabilidade da redação do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

 

Mudança de mentalidade

«Primeiro, talvez o mais difícil: realizar uma mudança na nossa mentalidade pastoral. Tem de mudar-se. Na cidade precisamos de outros mapas, outros paradigmas, que nos ajudem a reposicionar os nossos pensamentos e as nossas atitudes. Não podemos permanecer desorientados, porque esse desconcerto leva-nos a enganarmo-nos no caminho – primeiro, nós mesmos, mas depois confunde o povo de Deus e aqueles que procuram com coração sincero a Vida, a Verdade e o Sentido.

«Vimos de uma prática pastoral secular, em que a Igreja era o único referente da cultura. É verdade, é a nossa herança. Como autêntica mestra, ela sentiu a responsabilidade de delinear e de impor, não só as formas culturais, mas também os valores, e mais profundamente a traçar o imaginário pessoal e coletivo, ou seja, a história, os pontos-chave em que as pessoas se apoiam para encontrar os significados últimos e as respostas às suas perguntas vitais.

Mas já não estamos nesse tempo. Passou. Já não estamos na cristandade. Hoje já não somos os únicos que produzem cultura, nem os primeiros nem os mais escutados. Temos, por isso, necessidade de uma mudança de mentalidade pastoral, mas não de uma “pastoral relativista” – não, isso não -, que por querer estar presente na “cozinha cultural” perde o horizonte evangélico, deixando o homem entregue a si próprio e emancipado da mão de Deus. Não, isto não. Esta é a estrada relativista, a mais cómoda. Isto não se pode chamar pastoral. Quem faz assim não tem verdadeiro interesse pelo homem, mas deixa-o à mercê de dois perigos igualmente graves: escondem Jesus e a verdade sobre o próprio homem. E esconder Jesus e a verdade sobre o homem são perigos graves. Caminho que conduz o homem à solidão da morte.

É preciso ter a coragem de realizar uma pastoral evangelizadora audaz e sem temor, porque o homem, a mulher, a família e os vários grupos que habitam a cidade esperam de nós, e têm necessidade para a sua vida, a Boa Nova que é Jesus e o seu Evangelho. Muitas vezes oiço dizer que se sente vergonha ao expor-se. Devemos trabalhar para não ter vergonha ou relutância no anúncio de Jesus Cristo; procurar como. Este é um trabalho-chave.»

 

Diálogo com a multiculturalidade

«Em Estrasburgo falei de uma Europa multipolar. Mas também as grandes cidades são multipolares e multiculturais. E devemos dialogar com esta realidade, sem medo. Trata-se de aprender um diálogo pastoral sem relativismos, que não negoceia a própria identidade cristã, mas que quer chegar ao coração do outro, dos outros diferentes de nós, e neles semear o Evangelho.

Precisamos de uma atitude contemplativa, que sem recusar a contribuição das diversas ciências para conhecer o fenómeno urbano – estas contribuições são importantes -, procure descobrir o fundamento das culturas, que no seu núcleo mais profundo estão sempre abertas e sequiosas de Deus. Ajudará muito conhecer os imaginários e as cidades invisíveis, isto é, os grupos ou os territórios humanos que se identificam nos seus símbolos, linguagens, ritos e formas para narrar a vida.

Muitas vezes penso na criatividade e na coragem que Paulo teve no seu discurso em Atenas. Coitado, correu-lhe mal... Mas teve criatividade, porque deter-se diante dos ídolos (...). Entrou na sua cultura. Não foi um sucesso, é verdade, mas a criatividade! Ele procurava fazer-se compreender por aquela multiculturalidade, que estava muito distante da mentalidade judeo-cristã.»

 

Religiosidade popular

«Deus habita na cidade. É necessário ir procurá-lo e deter-se onde Ele está a agir. Sei que não é a mesma coisa nos diferentes continentes, mas devemos descobrir, na religiosidade dos nossos povos, o autêntico substrato religioso, que em muitos casos é cristão e católico. Não em todos: há religiosidade não cristã. Mas é preciso ir lá, ao núcleo.

Não podemos ignorar nem desprezar tal experiência de Deus (...). Nela estão as “semina Verbi” [sementes do Verbo] semeadas pelo Espírito do Senhor. Não está certo fazer avaliações apressadas e genéricas, do tipo: “Esta é só uma expressão de religiosidade natural”. Não, isso não se pode dizer. Dela podemos começar o diálogo evangelizador, como fez Jesus com a samaritana, e seguramente com muitos outros de fora da Galileia. E para o diálogo evangelizador é necessária a consciência da própria identidade cristã, e também a empatia com a outra pessoa. (...)

Desde há algumas décadas que a Igreja na América Latina e no Caribe se deu conta desta força religiosa, que vem sobretudo das maiorias pobres.

Deus continua a falar-nos hoje, como sempre fez, por meio dos povos, do “resto”. De maneira geral, as grandes cidades são hoje habitadas por numerosos migrantes e pobres, que provêm das zonas rurais ou de outros continentes, com outra cultura. Também Roma... (...) Tantas pessoas sem-teto por todo o lado... São peregrinos da vida, à procura de “salvação”, que muitas vezes têm a força de ir para a frente e de lutar graças a um sentido último que recebem de uma experiência simples e profunda de fé em Deus.

O desafio é duplo: ser hospitaleiros para com os pobres e os migrantes – a cidade, em geral, não o é, rejeita-os – e valorizar a sua fé. É muito provável que esta fé esteja misturada com elementos do pensamento mágico e imanentista, mas devemos procurá-la, reconhecê-la, interpretá-la e, seguramente, também evangelizá-la. Mas não tenho dúvidas de que na fé destes homens e mulheres há um potencial enorme para a evangelização das áreas urbanas.»

 

Pobreza

«A cidade, juntamente com a multiplicidade de ofertas preciosas para a vida, tem um reverso que não se pode esconder e que, em muitas cidades, é cada vez mais evidente: os pobres, os excluídos, os descartados. Hoje podemos falar de descartados. A Igreja não pode ignorar o seu grito, nem entrar no jogo dos sistemas injustos, mesquinhos e interesseiros que procuram torná-los invisíveis.

Tantos pobres, vítimas de antigas e novas pobrezas. Existem as novas pobrezas. Pobrezas estruturais e endémicas que estão a excluir gerações de famílias. Pobreza económica, social, moral e espiritual. Pobreza que marginaliza a descarta pessoas, filhos de Deus. Na cidade, o futuro dos pobres é mais pobreza.»

 

Proposta 1: sair e facilitar

Proponho-vos dois núcleos pastorais, que são ação mas não só. Penso que a pastoral é mais que ação, é também presença, conteúdos, atitudes, gestos.

Uma primeira coisa: sair e facilitar.

Trata-se de uma verdadeira transformação eclesial. Tudo pensado em chave de missão. Uma mudança de mentalidade: do receber ao sair, do esperar que venham ao ir procurá-los. E para mim isto é a chave.

Sair para encontrar Deus que habita na cidade e nos pobres. Sair para encontrar, para escutar, para abençoar, para caminhar com a gente. E facilitar o encontro com o Senhor. Tornar acessível o sacramento do Batismo. Igrejas abertas. Secretarias com horários para as pessoas que trabalham. Catequese adaptada nos conteúdos e nos horários da cidade. (...)

Penso que devemos continuar a aprofundar aquelas mudanças necessárias nas nossas várias catequeses, substancialmente nas nossas formas pedagógicas, a fim de que os conteúdos sejam melhor compreendidos, mas ao mesmo tempo é preciso aprender a despertar nos nossos interlocutores a curiosidade e o interesse por Jesus Cristo. Esta curiosidade tem um patrono: Zaqueu. Peçamos-lhe que nos ajude a despertá-la. E depois convidar a aderir a Ele e a segui-lo. Devemos aprender a suscitar a fé. Suscitar a fé! (...) Semear! Se a fé começa, é o Espírito que depois fará com que essa pessoa regresse a mim ou a outro para pedir um passo mais, um passo mais... Suscitar a fé.»

 

Proposta 2: Igreja samaritana

«Trata-se de uma mudança no sentido do testemunho. Na pastoral urbana a qualidade será dada pela capacidade de testemunho da Igreja e de cada cristão. O papa Bento, quando disse que a Igreja não cresce por proselitismo mas por atração, falava disto. O testemunho que atrai, que desperta a curiosidade das pessoas.

Aqui está a chave. Com o testemunho podemos incidir nos núcleos mais profundos, onde nasce a cultura. Através do testemunho a Igreja semeia o grão de mostarda, mas fá-lo coração próprio das culturas que estão a germinar na cidade. O testemunho concreto de misericórdia e ternura que procura estar presente nas periferias existenciais e pobres, age diretamente sobre os imaginários sociais, gerando orientação e sentido para a vida da cidade. Assim, como cristãos, contribuímos para construir uma cidade na justiça, na solidariedade e na paz.

Com a pastoral social, com a Cáritas, com diversas organizações, como sempre fez a Igreja no decorrer dos séculos, podemos tratar dos mais pobres com ações significativas, ações que tornem presente o Reino de Deus, manifestando-o e dilatando-o. Também aprendendo a trabalhar juntamente com quantos já estão a fazer coisas muito eficazes em favor dos mais pobres. É um espaço deveras próprio para a pastoral ecuménica caritativa, na qual assumimos compromissos de serviço aos mais pobres juntamente com irmãos de outras Igrejas e comunidades eclesiais.

Em tudo isto é muito importante o protagonismo dos leigos e dos próprios pobres. E também a liberdade do leigo, porque aquilo que prende, que não faz escancarar as portas é a doença do clericalismo. É um dos problemas mais graves. (...)

 

Trad./edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 27.11.2014 | Atualizado em 17.04.2023

 

 
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Deus habita na cidade. É necessário ir procurá-lo e deter-se onde Ele está a agir. Sei que não é a mesma coisa nos diferentes continentes, mas devemos descobrir, na religiosidade dos nossos povos, o autêntico substrato religioso, que em muitos casos é cristão e católico
Deus continua a falar-nos hoje, como sempre fez, por meio dos povos, do “resto”. De maneira geral, as grandes cidades são hoje habitadas por numerosos migrantes e pobres, que provêm das zonas rurais ou de outros continentes, com outra cultura
Hoje podemos falar de descartados. A Igreja não pode ignorar o seu grito, nem entrar no jogo dos sistemas injustos, mesquinhos e interesseiros que procuram torná-los invisíveis
Sair para encontrar, para escutar, para abençoar, para caminhar com a gente. E facilitar o encontro com o Senhor. Tornar acessível o sacramento do Batismo. Igrejas abertas. Secretarias com horários para as pessoas que trabalham
Com o testemunho podemos incidir nos núcleos mais profundos, onde nasce a cultura. Através do testemunho a Igreja semeia o grão de mostarda, mas fá-lo coração próprio das culturas que estão a germinar na cidade
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