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Papa Francisco: «Ninguém fica a olhar para o martelo, mas olha o quadro para ver se ficou bem fixado. Somos servos inúteis»

Imagem Papa Francisco | Praça de S. Pedro, Vaticano | 1.6.2016 | © 2016 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Papa Francisco: «Ninguém fica a olhar para o martelo, mas olha o quadro para ver se ficou bem fixado. Somos servos inúteis»

«Tenho ouvido algumas vezes comentários de sacerdotes que dizem: "este papa bate-nos demasiado, dá-nos reprimendas"»: foi com um improviso que o papa concluiu a última de três meditações que pronunciou hoje para o Jubileu dos Sacerdotes e Seminaristas, em três basílicas pontifícias de Roma, assegurando que está consciente de que «há muitos padres corajosos» e lendo uma carta recebida por um pároco de montanha.

Na sua intervenção Francisco advertiu para a dependência do dinheiro, pecado que o povo de Deus não perdoa, e deu conselhos sobre o sacramento da Reconciliação, da atenção à linguagem dos gestos à necessária ausência de curiosidade em relação à vida íntima dos fiéis, que não é um «filme».

Durante a meditação que proferiu na basílica de S. Paulo Fora de Muros, o papa afirmou que se sente «edificado por muitos sacerdotes, muitos padres corajosos, que por exemplo quando não havia atendedor de chamadas dormiam com o telefone sobre a mesa de cabeceira: ninguém morria sem sacramentos, os fiéis chamavam e a qualquer hora eles iam».

«Todos somos pecadores, mas podemos dizer que há muitos corajosos e santos sacerdotes que trabalham em silêncio e escondidos: por vezes há um escândalo, mas sabemos que faz mais ruído uma árvore que cai do que uma floresta que cresce», afirmou.

O papa leu depois, quase na íntegra, a carta que lhe foi enviada por um pároco italiano de três comunidades na montanha, sem revelar a sua identidade, e que lhe agradecia pelos estímulos do seu ensinamento, não obstante alguns "puxões de orelhas", e confiava-lhe a dificuldade de não ser sugado pelo «vórtice» das incumbências burocráticas, arriscando-se a não estar próximo dos fiéis.

«Se por vezes, como pastor, não tenho o odor das ovelhas», escreveu o sacerdote, «comovo-me com o meu rebanho que não perdeu o odor do pastor: as ovelhas não nos deixam sós, têm o termómetro do nosso estar ali para elas, e se o pastor sai do redil e se perde, elas apanham-no e seguram-no pela mão. O Senhor salva-nos sempre através do seu rebanho», escreveu o pároco.

Este sacerdote é um «irmão» como «há muitos», concluiu Francisco, convidando os padres a não perder a oração, o zelo pastoral, a proximidade ao seu povo e o «sentido de humor».

Antes, o papa lembrou que na Igreja houve e continua a haver «muitas coisas não tão boas, e muitos pecados», mas no «servir os pobres com obras de misericórdia» seguiu-se sempre «o Espírito», com os santos a concretizá-lo «de maneira muito criativa e eficaz».

«O nosso povo perdoa muitos defeitos nos padres, exceto o de serem agarrados ao dinheiro. E não é tanto pela riqueza em si, mas porque o dinheiro nos faz perder a riqueza da misericórdia. O nosso povo pressente os pecados que são graves para o pastor, que matam o seu ministério porque o transformam num funcionário ou, pior, num mercenário, e, diversamente, os pecados que são, não diria secundários, mas possíveis de suportar, carregar como uma cruz, até que o Senhor finalmente os purifique, como fará com a cinza. Ao contrário, o que atenta contra a misericórdia é uma contradição principal», vincou.

A meditação prosseguiu com o tema da confissão no sacramento da Reconciliação, inspirando-se no diálogo de Jesus com a mulher prostituta: «Às vezes sinto um misto de pena e indignação, quando alguém se apressa a evidenciar a última recomendação: "não peques mais"; e usa esta frase para "defender" Jesus, para que não apareça como alguém que saltou por cima da lei».

A misericórdia, pelo contrário, com «delicadeza», «olha com piedade o passado e encoraja para o futuro». Aquela mulher, frisou o papa, era alguém «de quem outros se aproximavam ou para dormir com ela ou para a apedrejar. Por isso o Senhor não só lhe desimpede o caminho, mas põe-na a caminhar, para que deixe de ser "objeto" do olhar alheio e passe a ser protagonista. O "não pecar" não se refere apenas ao aspeto moral – creio eu –, mas a um tipo de pecado que a impede de realizar a sua vida». Generalizando, «o objeto que visa a misericórdia é muito concreto: tem em vista aquilo que impede um homem ou uma mulher de caminharem no seu lugar, com os seus queridos, ao seu ritmo, para a meta aonde Deus os convida». 

Por isso o confessor deve ser «sinal e instrumento do amor misericordioso de Deus»: «Somos instrumentos se verdadeiramente as pessoas se encontrarem com Deus misericordioso; a nós cabe "fazer com que se encontrem", que fiquem face a face. O que fizerem depois é lá com eles. Temos um filho pródigo na pocilga e um pai que todas as tardes sobe ao terraço para ver se ele chega; temos uma ovelha perdida e um pastor que saiu à sua procura; temos um ferido caído ao lado da estrada e um samaritano que tem bom coração. Então qual é o nosso ministério? Ser sinal e instrumento para que eles se encontrem. Fique claro que não somos o pai, nem o pastor, nem o samaritano. Antes, como pecadores, estamos do lado dos outros três. O nosso ministério tem de ser sinal e instrumento daquele encontro».

Com efeito, «ninguém fica a olhar para a chave de fendas ou para o martelo, mas olha o quadro para ver se ficou bem fixado. Somos servos inúteis». E portanto, continuou o papa o sacerdote não deve ser um «impedimento» e deve estar «disponível»: «Na minha terra, havia um grande confessor, o Padre Cullen, que se sentava no confessionário e fazia duas coisas: uma era remendar bolas de couro para os meninos que jogavam futebol, a outra era ler um grande dicionário de chinês. Dizia ele que, quando o viam ocupado em atividades tão inúteis, como remendar bolas velhas, e sem qualquer urgência, como ler um dicionário de chinês, as pessoas pensavam: "Posso aproximar-me para falar um pouco com este padre, pois vê-se que não tem nada que fazer". Estava disponível para o essencial. Evitava o impedimento de ter o aspeto duma pessoa sempre muito ocupada».

Igualmente importante é a «linguagem dos gestos»: «Se alguém se aproxima do confessionário é porque está arrependido, já há arrependimento. E, se se aproxima, é porque tem desejo de mudar ou, pelo menos, desejo de desejar, se a situação lhe parece impossível». «A misericórdia livra-nos de ser um padre juiz-funcionário que, à força – digamos – de tanto julgar "casos", perde a sensibilidade pelas pessoas, pelos rostos». Por isso é importante aprender com os «bons confessores, com aqueles que têm delicadeza com os pecadores bastando-lhes meia palavra para compreenderem tudo». Em vez disso, há «aqueles confessores que perguntam e perguntam... mas diz-me, por favor: precisas de tantos detalhes para perdoar ou estás a fazer um filme?», disse o papa, entre os aplausos dos sacerdotes.  

Por fim, a misericórdia é também feita de ações, «não apenas de ter gestos, mas de fazer obras, institucionalizar, criar uma cultura da misericórdia»: «Tanto nas celebrações – penitenciais e festivas – como na ação solidária e formadora, o nosso povo deixa-se convocar e conduzir e de uma forma que nem todos se dão conta e valorizam, apesar de falharem muitos outros planos pastorais centrados em dinâmicas mais abstratas. A presença maciça do nosso povo fiel nos nossos santuários e peregrinações, uma presença anónima – só anónima por excesso de rostos e pelo desejo de fazer-se ver apenas por Aquele e Aquela que os olham com misericórdia –, bem como a colaboração também numerosa que, sustentando com o seu trabalho tantas obras solidárias, deve ser motivo de atenção, apreço e promoção da nossa parte».

«A prova desta compreensão do nosso povo é que, nas nossas obras de misericórdia, sempre somos abençoados por Deus e encontramos ajuda e colaboração no nosso povo. Não se verifica o mesmo com outro género de projetos, que umas vezes avançam e outras não, e alguns não se dão conta do motivo por que não funcionam e cansam a cabeça à procura de mais um novo plano pastoral, quando se poderia dizer simplesmente: não funciona porque lhe falta misericórdia, sem necessidade de entrar em detalhes. Se não é abençoado, é porque lhe falta misericórdia», declarou Francisco.

 

Iacopo Scaramuzzi
In "Vatican Insider"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 02.06.2016

 

 
Imagem Papa Francisco | Praça de S. Pedro, Vaticano | 1.6.2016 | © 2016 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.
Temos um filho pródigo na pocilga e um pai que todas as tardes sobe ao terraço para ver se ele chega; temos uma ovelha perdida e um pastor que saiu à sua procura; temos um ferido caído ao lado da estrada e um samaritano que tem bom coração. Então qual é o nosso ministério? Ser sinal e instrumento para que eles se encontrem
«Se alguém se aproxima do confessionário é porque está arrependido, já há arrependimento. E, se se aproxima, é porque tem desejo de mudar ou, pelo menos, desejo de desejar, se a situação lhe parece impossível». «A misericórdia livra-nos de ser um padre juiz-funcionário que, à força – digamos – de tanto julgar "casos", perde a sensibilidade pelas pessoas, pelos rostos»
É importante aprender com os «bons confessores, com aqueles que têm delicadeza com os pecadores bastando-lhes meia palavra para compreenderem tudo». Em vez disso, há «aqueles confessores que perguntam e perguntam... mas diz-me, por favor: precisas de tantos detalhes para perdoar ou estás a fazer um filme?»
Há projetos que umas vezes avançam e outras não, e alguns não se dão conta do motivo por que não funcionam e cansam a cabeça à procura de mais um novo plano pastoral, quando se poderia dizer simplesmente: não funciona porque lhe falta misericórdia
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