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Todas as palavras são cartas de amor

É verdade que Fernando Pessoa nos avisa que «todas as cartas de amor são ridículas», mas quem quer que ame a sua extraordinária poesia não deixará de sentir alguma surpresa perante os bilhetes e recados de amor que ele endereça a Ophélia Queiroz. À primeira vista parecem textos completamente regressivos, com alusões quase infantis, autoirónicos sem dúvida, mas distantes da sofisticação prodigiosa que encontramos, por todo o lado, na sua obra. É legítimo perguntar: que palavras são aquelas, que língua desconhecida assim se expressa, que enigma se torna próximo com aquela balbuciante sintaxe?

Dou comigo a pensar que alguns dos termos desconcertantes daquelas cartas (e porventura de todas as cartas de amor) abrem-nos simplesmente para o mistério da linguagem humana. E volto, mais uma vez, a um ensaio da antropóloga Dean Falk, “Língua mãe. Cuidados maternos e origens da linguagem”. Dão-se hoje, praticamente como adquiridas, duas teorias sobre a origem da linguagem: uma que podemos designar “comunicativa” (aí se defende que falamos para fazer circular os nossos pensamentos de uma cabeça para outra) e outra chamada “cognitiva” (que sustenta que falamos para articular de forma mais sistemática os nossos próprios pensamentos). Ambas as  teses consideram a linguagem como realidade mental, isto é, um dado que tem mais a ver com o pensamento do que com o corpo, mais com o trânsito dos raciocínios do que com o afloramento das emoções. É aqui que entra Dean Falk. A antropóloga  propõe que cada um de nós, pelo contrário, começa a utilizar os sons linguísticos não propriamente para comunicar ou pensar, mas sim para permanecer em contacto com aquelas e aqueles que tomam conta de nós. 

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A linguagem humana é muito complexa. Por exemplo: para a definição do sentido global da comunicação interessa não apenas o que se diz, mas também a forma como se diz. A linguagem não é apenas composta por aquilo que acordamos serem sons significativos ou simbólicos. Não raras vezes, o próprio tom da voz veicula uma ampla quantidade de informação acerca das intenções de quem fala; há uma musicalidade inerente, encantatória, que se capta de ouvido; e, do mesmo modo, é necessário valorizar os traços da emotividade ou as manifestações da linguagem corporal que acompanham as palavras. O que se aprende com Dean Falk, mas também com Fernando Pessoa, é que as palavras são, mais do que tudo, a verbalização do desejo que sentimos do outro. No fundo, o que quer que digamos dizemo-lo para avizinhar ou reter o outro perto de nós, para retardar ou desmentir a sua ausência, para dizer que ele é demasiado importante para nós. Mesmo com áridos discursos ou frases friamente impessoais, o que dizemos não é tão diferente do que dizem os nascituros ou os enamorados. A linguagem humana é uma forma espantosa que encontramos para nos fazermos companhia.

 

José Tolentino Mendonça
In Diário de Notícias (Madeira)
Imagem: Gerhard Richter
18.08.12

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