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«Trabalho e criatividade» é o tema do novo número da revista "Communio"

«Trabalho e criatividade» é o tema da mais recente revista “Communio”, publicação que chegou a Portugal em 1984 e que tem como objetivo «estimular o diálogo entre a fé e a cultura».

Transcrevemos a apresentação deste volume, que enquadra «a dimensão criativa da atividade laboral» e sintetiza o conteúdo dos artigos.

 

Apresentação

Se atendermos à etimologia latina da palavra trabalho verificamos que na sua origem está o termo "tripalium", um instrumento de tortura. O caráter pejorativo que durante séculos se associou ao trabalho prende-se com a ideia de punição e de constrangimento, uma associação reforçada pela narrativa do paraíso terrestre no livro do Génesis. Esquecemos no entanto a passagem no mesmo relato na qual se afirma ter Deus colocado o homem no jardim do Éden para o cultivar (Gn 2,15), o que certamente exigiria algum trabalho mas em que este de modo algum era encarado como fardo ou castigo.

Se na antiguidade o trabalho é um estigma, opondo um pequeno número de cidadãos livres a uma maioria de escravos, pobres, mulheres e crianças, com o aparecimento da sociedade burguesa ele torna-se fator de valorização e de criatividade, afirmando-se como valor moral e como instrumento de realização.

O presente número da Communio pretende realçar a dimensão criativa da atividade laboral, mostrando-a como um dever mas também como um direito. Perspetivando este tema na atualidade, verificamos que a partir de 1980 até aos dias de hoje o desemprego é cinco vezes maior do que nos vinte anos do pós-guerra – atualmente contam-se 205 milhões de desempregados e cerca de metade dos que têm emprego são mais ou menos vulneráveis ou precários. Consequentemente, o trabalho surge como um bem relativamente escasso e, sem dúvida, precioso, sobretudo para os jovens ou, mais grave ainda, para os denominados NEETS – sem emprego, nem ensino, nem formação profissional – que, por exemplo, na OCDE atingem 12,5% na faixa dos quinze aos vinte e quatro anos. É uma situação agravada pela crise financeira e económica em que estamos mergulhados. Mas a verdade é que já antes dela se desenhava essa tendência, por força tanto da globalização como das inovações tecnológicas que alteraram radicalmente a economia mundial e o próprio trabalho. Este, em breves traços, analisa-se hoje em três grandes tipos: o «transformacional», com recurso à força física – é o caso da construção civil; o «transacional», envolvendo operações de rotina e que por isso pode ser automatizado (bancos e call-centres) e o «interaccional», ligado ao conhecimento, à perícia e à colaboração com outras pessoas, como por exemplo a consultoria de gestão e a banca de investimento.

Note-se que a atual consciência coletiva já não vê no trabalho apenas um meio de subsistência, ainda que desafogada – o bem da vida assinalado por T. Roosevelt, em 1903: trabalho para ter pão na mesa e dinheiro no banco – mas o modo de alcançar a realização pessoal. Essa valorização e personalização do trabalho é parte integrante e explícita do mais antigo ensino social católico, estando especialmente presente na sua magna carta que é a "Laborem exercens", de João Paulo II. Nela se afirma que «o trabalho é um bem do homem – é um bem da sua humanidade – porque, mediante o trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homem e até, num certo sentido, "se torna mais homem".» (n. 9)

A abrir este número da Revista temos o texto de Rudolf Hoppe, "Se alguém não quer trabalhar também não coma (2Ts 3,10b)". Aqui a noção de trabalho é enquadrada no Novo Testamento. Informando-nos sobre a geografia sócio-económica da Galileia e relevando o trabalho exercido por S. Paulo, o texto inspira-se em parábolas como a dos trabalhadores da vinha (Mt 20,1-15), dos talentos (Mt 25,14-30/Lc 19,12-27) ou do cultivador de cereais (Lc 12,16-21) que ilustram o sentido da pregação de Jesus.

No artigo "Parábola dos vinhateiros – que justiça?", Joaquim Carreira das Neves analisa a questão do salário justo, tal como aparece a uma primeira leitura na conhecida parábola, exclusiva do evangelho de Mateus. Depois de percorrer as noções de justiça na filosofia política, desde os gregos atá à atualidade, e de se referir ao entendimento da justiça social no Antigo Testamento, mostra qual a mudança de paradigma imposta pelo texto mateano.

Realçando uma perspetiva cristã do trabalho, temos os textos de Ivica Raguz e Manuela Silva. Raguz centra-se na noção de "ócio" em contraponto com a de "tempo livre", analisando os que se inserem no mundo do trabalho, muitos deles vítimas do delírio workaholic que conduz à privação da relação com os outros e consigo mesmos. Passando pela constituição conciliar "Gaudium et spes" e por autores como Nietzsche ou Baudelaire, Ivica Raguz conclui que "para os cristãos, as três dimensões do ócio – a liberdade como recetividade, a alegria da plenitude e a liturgia – se conjugam e celebram ao domingo, no ‘dia do senhor’.".

Manuela Silva lembra-nos que numa perspetiva cristã o trabalho não é, nem deve ser, encarado como mero fator de produção, salientando as consequências negativas decorrentes do atual modelo de «capitalismo financeirizado». Daí a oportunidade da obra de Simone Weil, cimentada numa experiência vivida da condição operária e surgindo como testemunho de grande atualidade pois salienta o valor humano do trabalho, concilia trabalho e liberdade e atribui ao primeiro um papel determinante na procura de caminhos para Deus.

No artigo cujo título «O trabalho, chave da questão social» reproduz a epígrafe de um dos capítulos da "Laborem exercens", Simona Beretta coloca em paralelo a evolução do pensamento económico e a da doutrina social da Igreja, fazendo notar a atenção dada por esta às relações tecidas nas inter-relações sociais de uma forma mais realista (que não moralista) do que os modelos económicos dominantes, caracterizados pela impessoalidade e abstração.

Em "O trabalho e a lei", temos a perspetiva de um jurisconsulto, António Monteiro Fernandes. Pela análise empreendida percebemos a degradação de que tem sido objeto o trabalho no direito legislado e na respetiva execução, mormente quando se «flexibilizam» quer o acesso quer a cessação (despedimento) do vínculo de emprego. Torna-se patente que a dignidade do trabalho e do trabalhador assim como a sacralidade da família estão a ceder perante a soberania absoluta dos mercados e da competição económica, numa lógica sem humanidade nem futuro.

Olivier Boulnois analisa a criatividade na arte, algo que pensávamos indiscutível mas que na realidade diz respeito a um período histórico situado entre os séculos XV e XX. Em "Para além da criatividade" afirma que nem sempre a criatividade foi valorizada. O conceito de criação não se aplicava às obras antigas e medievais, tal como também não se aplica às obras contemporâneas. A constatação deste facto leva Boulnois a analisar a crise atual, presente no conceito de obra de arte, e a desenvolver uma teoria estética em que se atribui à arte uma dimensão religiosa pois "só a beleza pode revelar a verdade e salvar o mundo".

Thomas Prügl em «Ora e labora. Uma teologia do trabalho no monaquismo antigo e medieval?» reflete sobre o monaquismo pré-moderno em que o modelo beneditino de oração e de trabalho são encarados como instrumentos de realização individual e de salvação.

Em «No prato certo da balança» comenta-se o desafio feito pelo poeta Seamus Heaney a trinta autores (irlandeses) por ocasião do 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2008. Luísa Falcão não só nos faz a história desta iniciativa, marcada pela inspiração e pela criatividade, como nos propõe uma reflexão sobre um documento que «criou um consenso moral universal e, se nem sempre conseguiu corrigir abusos, não desiste de fazer ouvir a voz dos pequenos e silenciados».

A secção "Depoimentos" recolhe os contributos de um padre operário e de um crítico de cinema. No texto de Luís Manuel Martins Ferreira pulsam quarenta anos de experiência enquanto Padre Operário no seio da Congregação dos Filhos da Caridade, iniciada em Paris e concluída na zona fabril de Setúbal em 2008. Na sua narrativa são-nos recordadas a «importância da militância cristã de presença» e a aprendizagem da oração e da reflexão em ambiente de trabalho, por pesado, repetitivo e ruidoso que seja, mas também a experiência «do que há de melhor na natureza humana: a fraternidade e a solidariedade».

Ao comentar o filme "24 City" do realizador chinês Jia Zhang-Ke, Vasco Batista Marques chama a atenção para o papel central que o tema do trabalho desempenha na filmografia deste cineasta. A obra em causa é significativa das alterações decorrentes da passagem do maoísmo para o capitalismo, mostrando-nos uma China contemporânea que procura situar-se entre dois universos aparentemente incompatíveis.

Na secção "Perspetivas" insere-se o texto de Fernando Sampaio sobre «Relação Pastoral de Ajuda. Boas práticas no acompanhamento espiritual de doentes», no qual se explicam os propósitos, fundamentos e técnicas multidisciplinares da forma de apoio ao doente atualmente conhecida por Relação Pastoral de Ajuda, em prática nas nossas capelanias hospitalares. Baseada na psicologia humanista e existencialista dos anos 60, sob inspiração do perfeito modelo de empatia alcançado pela Incarnação de Jesus, esta forma de relação dá ao doente sentimentos de compreensão, de amor e de estímulo.

 

Apresentação: M. Luísa Ribeiro Ferreira, Teresa Monteiro Fernandes, José Patrício
In Communio (2011/3)
18.03.12

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