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«O maior risco» do cristianismo é o da sua «exculturação»

O sociólogo Alfredo Teixeira considera que «o maior risco que o cristianismo corre, nas sociedades que com ele fizeram história, é o da sua exculturação».

«A ilegibilidade da memória de Jesus naquilo que é âmago da experiência cultural, a incapacidade da proposta cristã reinventar os recursos necessários à sua permanente traduzibilidade, ou a perda das interfaces que permitem acolher as demandas que habitam a inquietude do nosso tempo constituem o abismo mais difícil de enfrentar», assinala.

Em depoimento sobre o pontificado de Bento XVI e as perspetivas para o futuro da Igreja Católica, o diretor do Instituto Universitário de Ciências Religiosas da Faculdade de Teologia da Universidade Católica sustenta que o próximo papa «deveria fazer uma aposta clara na pastoral da cultura».

O investigador salienta também que a ação do papa alemão foi marcada pelo desejo da «reinvenção da teologia enquanto discurso público, enquanto modo de pensar a experiência humana na sua abertura à questão de Deus».

«Pela primeira vez, um Papa fez de um projeto de escrita teológica, um instrumento privilegiado de transmissão e comunicação», sublinha.

As perguntas colocadas pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura e as respostas, na íntegra:

 

Como avalia o papel de Bento XVI no que diz respeito à relação que procurou manter com o mundo do pensamento e das artes, nomeadamente com artistas e tendências que se situam fora da Igreja Católica?

Tenho na minha memória as palavras de um deputado, na Assembleia da República, quando procurava enfatizar a completa irrelevância do discurso de um opositor – «isso são teologias», dizia. Observo ainda que muitas sensibilidades religiosas florescentes escolhem a via do acontecimento extraordinário ou da exacerbação emocional como formas privilegiadas de aceleração da possibilidade de adesão religiosa. Numa trajetória diversa, Bento XVI surgiu, na cena pública, sob a figura do intelectual – um desprestígio em muitos contextos neopietistas.

Na procura de outros espaços para o diálogo com diversas formas de pensar e representar a nossa experiência cultural, Bento XVI escolheu a mediação teológica. Parece-me claro que o seu reconhecimento público enquanto intelectual é inseparável de uma certa reabilitação do discurso teológico. Este pontificado tem a marca de um desejo: o da reinvenção da teologia enquanto discurso público, enquanto modo de pensar a experiência humana na sua abertura à questão de Deus. Neste contexto, não sem tensões, os saberes teológicos podem encontrar uma oportunidade de valorização, na medida em que permanecerem disponíveis para, a partir da sua racionalidade própria e partilhada, descobrirem novos lugares de interlocução.

Note-se que, pela primeira vez, um Papa fez de um projeto de escrita teológica, um instrumento privilegiado de transmissão e comunicação. Este facto foi observado como lugar de ambiguidade, já que, nesse contexto, o discurso não pode apresentar-se com todas as qualidades de proteção institucional, que o tornam um discurso «autorizado» - como acontece com as Cartas Encíclicas ou as Exortações Apostólicas. Sob este ponto de vista, o livro teológico é um veículo frágil. Com frequência, esta aposta de Bento XVI foi vista como condicionadora do estatuto próprio da teologia. Penso que se pode descobrir um outro lugar interpretativo, não exclusivo. Talvez Bento XVI tenha percebido que grande parte dos discursos «autorizados» é, por causa dessa armadura, socialmente impertinente. Talvez tenha tido a intuição de que o pensamento habitado pelo questionamento cristão tem de encontrar outros lugares de proposição, mais desprotegidos institucionalmente, mas mais permeáveis à espessura humana dos problemas que descrevem a nossa contemporaneidade.

 

Quais devem ser as orientações e prioridades que, no seu entender, o próximo Papa deve assumir nesse mesmo campo do pensamento e das artes? 

O maior risco que o cristianismo corre, nas sociedades que com ele fizeram história, é o da sua exculturação. A ilegibilidade da memória de Jesus naquilo que é âmago da experiência cultural, a incapacidade da proposta cristã reinventar os recursos necessários à sua permanente traduzibilidade, ou a perda das interfaces que permitem acolher as demandas que habitam a inquietude do nosso tempo constituem o abismo mais difícil de enfrentar. Neste sentido, o próximo pontificado deveria fazer uma aposta clara na pastoral da cultura. Não apenas como um âmbito funcionalmente especializado, mas sobretudo como centro articulador e nevrálgico onde se torna possível a comunhão com «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias» (GS 1) que habitam a aventura humana. Seguindo o impulso do Vaticano II, a relação pastoral das Igrejas com as sociedades em que se inscrevem é, no seu âmago, uma pastoral da cultura.

 

Alfredo Teixeira
© SNPC | 20.02.13

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