Bíblia
Caim
(...) É certo que, com "Caim", Saramago ataca a que hoje é a mais tolerante, a mais democrática e a menos inquisitorial das religiões. Nenhum bispo da Igreja Católica o perseguirá com uma «fatwa» e nenhum católico fará mais do que insultá-lo nos blogues e redes sociais da net - onde o insulto é fácil, fértil e impune. Não é inócuo, mas, pelo menos, não é perigoso. É também verdade que Saramago se limitou a uma visão literal de um texto datado e inaplicado na prática há muito. É inteiramente legítimo do ponto de vista literário, não sei se será do ponto de vista crítico. Também o Corão, lido à letra, é "um manual de maus costumes" ditado por um deus que diríamos cruel e desumano. A diferença está em que o Corão, na sua interpretação literal, continua hoje a ser o guia e o texto sagrado de grande parte do mundo islâmico, que nele fundamenta o terror e algumas das formas mais iníquas e aberrantes de regulação das sociedades.
Enquanto que ao Antigo Testamento se seguiu o Novo Testamento e várias encíclicas, algumas maravilhosas, que hoje constituem os fundamentos teológicos do cristianismo - e com base nos quais, a Igreja católica, os seus servidores e seguidores fizeram e fazem obra notável em lugares do mundo onde ninguém mais faz. Continuar a querer ver o catolicismo e a Igreja Católica como a religião do Antigo Testamento e das fogueiras da Inquisição não é um exercício intelectual sério. (...)
Miguel Sousa Tavares
Jornalista
In Expresso, 24.10.2009
08.11.09
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