Na procura de Deus
O frio é intenso, neste prolongamento do inverno. A chuva é constante na descontinuidade dos aguaceiros ao longo dos dias e das noites, encharcando terras e gentes. O sol faz tímidas aparições, por instantes, e sempre de pouca dura. A primavera tarda a chegar. As árvores vão resistindo, ainda despidas; os seus rebentos resistem a desabrochar e a crescer, pela adversidade do frio e sem o apelo intenso do sol. E, todavia, é Páscoa, aquela eterna primavera que brota na história e a leveda a partir de dentro. Páscoa florida aqui na pura interioridade contemplativa, ao ritmo das horas litúrgicas e do silêncio orante desta comunidade monástica cisterciense (trapista) de Santa Maria do Sobrado, na Galiza.
A meio caminho entre Lugo e Santiago de Compostela, em pleno verde da planície galega, ergue-se o imponente mas sóbrio mosteiro do Sobrado, cujas torres majestosas da Igreja atraem à distância o nosso olhar de peregrinos. A fundação deste mosteiro remonta ao século XII, e liga-se diretamente a S. Bernardo. Dos traços iniciais românicos e góticos pouco resta. A arquitetura da Igreja e dos três claustros é barroca, do século XVII. Contudo, há uma contenção nos excessos estéticos, própria da sensibilidade arquitetónica e decorativa da tradição espiritual cisterciense. Depois de um largo tempo em ruínas escondidas por uma abundante erva, a partir de 1954 o complexo do mosteiro (igreja, claustros, habitações, hospedaria) foi sendo reconstruído. Desde 1966 uma pequena comunidade cisterciense dá vida ao mosteiro, e hospitalidade a quantos nela queiram partilhar o ritmo da vida monástica.
Fonte: Mosteiro de Santa Maria de Sobrado
«O estilo de vida dos monges de Cister é simples e austero, verdadeiramente pobre e penitente na “alegria do Espírito Santo”. Através do acolhimento e da hospitalidade, a Comunidade pode partilhar os frutos da sua contemplação e do seu trabalho. Procuramos alcançar esta procura de Deus mediante uma regra, a de S. Bento, e um Abade numa Comunidade de Caridade, de um modo responsável, na qual nos comprometemos através do voto da estabilidade.
A comunidade vive um clima de silêncio e separação do mundo que favorece e expressa a sua abertura a Deus na contemplação, a exemplo de Maria, que “meditava todas as coisas em seu coração”» (folheto informativo da Comunidade para visitantes).
A experiência comunitária procura ser um espaço humano de misericórdia e perdão, de hospitalidade e de acolhimento da história pessoal de cada pessoa. A sequência das horas litúrgicas, ao longo do dia, assegura um ritmo comunitário orante, centrado na escuta da palavra de Deus. O silêncio exterior é um meio para dar espaço de exclusividade à voz interior do Amado, que fala ao coração, libertando-nos das nossas próprias vozes sempre ruidosas. Ora et labora, oração e trabalho manual estruturam a vida contemplativa do monge. Na tradição cisterciense, experimenta-se uma espiritualidade assente no concreto da experiência, na integração dos sentimentos, dos afetos e do desejo na procura unificante de Deus, sem nada recusar do que constitui a identidade única de cada pessoa.
Atualmente, a comunidade monástica é formada por monges, na sua maioria espanhóis. Dois portugueses procuram aqui a inteireza do coração na procura de Deus por si mesmo, sem qualquer finalidade pastoral ou missionária: o José Luís, sacerdote da Diocese da Guarda, e o Carlos Antunes, da Diocese de Santarém. Outros contactos e possíveis futuros alargamentos estão em curso.
Num despojamento de todo o protagonismo pastoral, estes monges disponibilizam-se, em cada dia, a subir a montanha do Tabor. Uma subida custosa, dolorosa, cada vez mais próxima e sempre mais distante, por meio de lutas e de fracassos, de luz e de muitas sombras, de algumas construções e de ainda maiores destruições, mais alimentados pelas dúvidas do que pelas certezas, para, assim, se entregarem ao Pai através da escuta do Filho: «Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o».
P. António Martins (Texto e fotografia)
Professor da Faculdade de Teologia da UCP
Referente da Pastoral da Cultura da Diocese do Algarve
Páscoa 2009
11.05.09
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