Evangelho e 2.ª leitura do 26.º Domingo: pistas para meditação
Referências bíblicas
1.ª leitura: Profeta Amós 6, 1-7: «Ai dos que vivem comodamente em Sião»
Salmo: Salmo 145: «O Senhor está perto de todos os que o invocam»
2.ª leitura: Primeira Carta a Timóteo 6, 11-16: «Na presença de Deus, que dá a vida a todas as coisas»
Evangelho: Lucas 16, 19-31: «Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos»
Confissão da fé
Desde o início da primeira carta a Timóteo, S. Paulo tinha advertido o seu discípulo da armadilha que constituam as discussões estéreis: «Fábulas e genealogias intermináveis ... discursos vãos ... não sabem nem o que dizem, nem o que afirmam com tanta segurança» (1 Tim 1, 4-7).
Ao contrário, S. Paulo recomenda a Timóteo e às comunidades onde este exerce o seu ministério apostólico que se mantenha fiel à fé que lhe foi transmitida.
Por diversas vezes nas suas cartas, a introdução ou a conclusão recordam aquele que é o mistério central da fé, qualificando-o de «palavra segura»: uma palavra em que é possível crer. Anos antes, Paulo já tinha alertado os Gálatas contra aqueles que pretendiam apresentar-lhes «outro Evangelho» (Gal 1,6), ou mais agradável.
Às derivas humanas, S. Paulo opõe a afirmação da "confissão" da fé. O termo é, aparentemente, técnico, e encontra-se várias vezes no Novo Testamento, em particular nas cartas de Paulo e João.
A "confissão de fé" incide sobre Cristo. Ela afirma o realismo da sua incarnação e a eficácia do seu triunfo pascal, que faz dele o «Senhor» (Romanos 10,9-10).
A palavra «confessar» tornou-se equívoca, em diversos sentidos. Faz pensar no reconhecimento, muitas vezes penoso, do pecado no sacramento da Penitência e Reconciliação. Esta aparente ambiguidade existe desde a origem.
Mas trata-se verdadeiramente de uma ambiguidade? Não poderá dizer-se também que o maior adversário da fé é o pecado (1 João 1,8-9)? Com efeito, o pecado é a concretização de uma recusa de «confessar a nossa fé», de traduzir a nossa fé nos atos da nossa vida.
Combate
Que o novo cristão, bem como o cristão de longa data, deva confessar a sua fé em Cristo, e isso publicamente, é normal. Mas o que nos pode surpreender no texto deste domingo é que ele fala de Jesus Cristo, «que deu testemunho perante Pôncio Pilatos numa bela profissão de fé». Cristo surge assim não apenas como aquele em quem nós cremos, como no Pai e no Espírito, mas aquele por quem nós cremos.
A fé é um combate para alcançar Deus, apesar do pecado e das trevas, para além da dúvida e da morte. Mas é um «belo» combate, como é «bela» a confissão de fé.
É também um combate que precisamos de travar até ao fim. O texto grego caracteriza esta luta pelo termo "agonia". Somos assim reenviados para a Paixão de Cristo. Ele mesmo confessou a fé na forma suprema do testemunho, termo que S. Paulo utiliza igualmente, denominando-o «martírio».
Esta perspetiva está na linha do texto do último domingo (cf. "Artigos relacionados"). Neste combate, seríamos necessariamente vencidos se Cristo não nos desse o seu Espírito. Sem o Espírito, é a negação de S. Pedro que é inevitável. Como dirá com uma só palavra a epístola aos Hebreus, Cristo é o «sumo-sacerdote» da nossa profissão de fé. Pela oferta da sua vida e da sua exaltação gloriosa, ele rasga o véu e abre ao homem exilado o santuário celeste (para permanecer na simbologia da carta aos Hebreus).
Na expetativa da teofania
Escrevendo a Timóteo, S. Paulo dá-lhe então mil conselhos e dirige-lhe mil encorajamentos. Mas não se trata de se deixar instalar e incrustar no tempo presente. A perspetiva é a vida eterna. O termo grego que S. Paulo utiliza é «epifania», «manifestação», mas o admirável capítulo 6 desta carta conduz-nos à plenitude divina: «Conquista a vida eterna, para a qual foste chamado».
Timóteo foi chamado, mas ele irá obtê-la, plena e integralmente, quando se manifestar na glória aquele que é denominado «Nosso Senhor Jesus Cristo», título inteiro, pleno, completo, que Jesus recebe em particular na oração litúrgica da Igreja. Esta conclusão da história é designada no Novo Testamento pela palavra «parusia» (presença), pela palavra «epifania», assim como pelos dois termos juntos (2 Tessalonicenses 2, 8).
Esta manifestação produzir-se-á «nos tempos estabelecidos», como Cristo deu testemunho nos «tempos estabelecidos», segundo o texto lido no domingo passado. Da mesma forma que esse acontecimento ocorreu «perante Pôncio Pilatos», a conclusão acontecerá, mas a sua data pertence a Deus, que é para nós o Transcendente, como canta liturgicamente o fim da segunda leitura deste domingo (1 Tim 6,15-16).
A distância até lá é hoje incalculcável, mas a esperança da última «epifania» é inequívoca, mesmo que hoje não seja mais do que esperança.
Evangelho
É duplamente terrível a última frase do Evangelho: «Tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos». Primeiro porque ela parece desesperada, como se nada pudesse forçar um coração de pedra a mudar. Mas é ainda mais terrível na boca de Jesus. Podemos perguntar se ele estaria a pensar nele próprio ao proferi-la - «Se alguém ressuscitar dentre os mortos»... E quando Lucas escreveu o seu evangelho, sabia muito bem que a ressurreição de Cristo não converteu toda a gente, longe disso; chegou mesmo a endurecer alguns.
Centremo-nos na história do rico e do pobre Lázaro: do rico não sabemos muito, nem sequer o nome. Não se refere que era especialmente malvado; pelo contrário, dado que chega a pensar, mais tarde, em salvar os seus irmãos da infelicidade no além. Simplesmente, ele está no seu mundo, no seu conforto, «na sua torre de marfim», poder-se-ia dizer, como os samaritanos de quem falava Amós na primeira leitura. De tal forma estava encerrado na sua torre de marfim que nem sequer chega a ver, através do seu portão, o mendigo que morre de fome e que bem se contentaria com os seus restos.
O mendigo, por seu lado, tem um nome, que é todo um programa: Lázaro, que quer dizer «Deus ajuda». Deus ajuda-o não porque seja virtuoso - disso nada se sabe - mas porque, simplesmente, é pobre. Eis, talvez, a primeira surpresa que Jesus faz aos seus ouvintes ao contar-lhes esta parábola.
De facto, eles já teriam ouvido esta história, dado que se tratava de uma bem conhecida narrativa originária do Egito. As duas personagens eram um rico cheio de pecados e um pobre cheio de virtudes. Chegados ao além, ambos passam pela balança, medindo as suas boas e más ações. A moral deste conto não surpreenderia ninguém: os bons, ricos ou pobres, eram recompensados, enquanto que os maus, pobres ou ricos, eram punidos. Tudo estava bem ordenado.
Também os rabinos antes de Jesus contavam uma história semelhante, igualmente derivada do Egito. O rico era filho de um publicano pecador, o pobre um homem muito devoto. Ambos também passavam por uma balança que pesava com precisão os méritos. Logicamente, o devoto era mais reconhecido por Deus do que o filho do publicano.
Jesus sacode um pouco esta lógica: não calcula os méritos e as boas ações; não se diz em lado nenhum que Lázaro é virtuoso e o rico é mau. Jesus constata apenas que o rico permaneceu rico durante toda a vida, ao passo que o pobre permaneceu pobre, à sua porta. Ou seja, trata-se do abismo de indiferença, ou de cegueira, que se estabeleceu entre o rico e o pobre, simplesmente porque o rico nunca entreabriu o seu portão.
Outro detalhe que tem importância na narrativa de Jesus: não é verdade que nada se conheça do rico. Com efeito, sabe-se como estava vestido: de púrpura e linho fino, refere o texto grego - alusão evidente às vestes dos sacerdotes. A cor púrpura, que era inicialmente a cor das vestes reais, tornou-se a cor dos sumos-sacerdotes, porque serviam o rei do mundo; quanto ao linho, era o tecido da túnica do sumo-sacerdote. Na boca de Jesus, a descrição das vestes do rico tinha como destinatários os seus ouvintes: muito piedosos, mas talvez indiferentes à miséria dos outros. Jesus diz-lhes algo como: «Sumo-sacerdote ou não, se menosprezais os vossos irmãos, não mereceis o título de filhos de Abraão».
Notemos que Abraão é citado cete vezes nesta passagem; por isso, é seguramente uma chave do texto. No fundo, a pergunta de Jesus é: «Quem é, verdadeiramente, filho de Abraão?»; e a resposta é: se não escutardes a Lei e os Profetas, se fordes indiferentes ao sofrimento dos vossos irmãos, não sois filhos de Abraão.
Jesus vai ainda mais longe: bem desejaria o pobre comer das migalhas do rico, mas são os cães que vão lamber as suas chagas. Ora, os cães eram animais impuros; por isso, mesmo que o rico fizesse o sacrifício de abrir o seu portão, ficaria chocado e teria fugido deste homem impuro.
A lição de Jesus, mais uma vez, é esta: dais importância aos méritos, quereis permanecer puros, orgulhais-vos de serdes os descendentes de Abraão... mas esqueceis o essencial. Este essencial está explícito na Lei e nos Profetas, como se lê, por exemplo, no livro de Isaías: «Repartir o teu pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão ... Se repartires o teu pão com o faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na tua escuridão» (58,7.10).
Não são precisos sinais extraordinários para nos convertermos: temos a Lei, os Profetas, os Evangelhos. Cabe-nos escutá-los e vivê-los.
Hendrick ter Brugghen
P. Jacques Fournier, Marie Nöelle Thabut
In Conferência Episcopal Francesa
Trad.: rjm
© SNPC (trad.) |
27.09.13
Leandro Bassano








